Johnny Depp assumiu publicamente ser vítima da "cultura do cancelamento" e insurgiu-se contra o movimento, durante uma conferência de imprensa esta quarta-feira que antecede a homenagem do Festival de San Sebastián à sua carreira.

A entrega do Prémio Donostia pela organização a "um dos atores mais talentosos e versáteis da cinematografia contemporânea" foi uma decisão que gerou polémica porque o ator está envolvido num caso de violência doméstica que o levou aos tribunais e abalou a sua imagem.

"Pode ser visto como um evento na História que durou o tempo que durou, esta cultura do cancelamento, esta corrida instantânea para o julgamento baseado no que, essencialmente, equivale a poluição do ar. Está tão fora de controlo agora que posso garantir-vos que ninguém está a salvo. Nenhum de vocês. Ninguém que esteja lá fora. Ninguém está seguro", disse o ator aos jornalistas ao ser questionado sobre o tema, acrescentando que "esses movimentos que surgiram, imagino que com a melhor das intenções, perderam o controlo".

"Basta uma frase e deixa de haver chão, puxa-se o tapete. Não foi só comigo que isso aconteceu, foi com muitas pessoas. Esta situação já aconteceu com mulheres, homens. Crianças sofreram de vários tipos de aborrecimentos. Infelizmente, a certa altura, começam a pensar que é normal. Ou que são elas. Quando não é", continuou Depp.

Nomeado três vezes para os Óscares, Johnny Depp, que interpretou todo o tipo de personagens, principalmente desajustados, como Eduardo Mãos de Tesoura, o capitão pirata Jack Sparrow ou o excêntrico cineasta Ed Wood, receberá o troféu numa cerimónia às 22h00 locais.

A entrega do prémio, que já celebrou noutras edições do festival artistas como Al Pacino, Isabelle Huppert ou Woody Allen, provocou críticas de associações de mulheres cineastas devido aos problemas judiciais em que o ator está envolvido.

Depp processou o tablóide sensacionalista britânico The Sun por tê-lo apresentado em 2018 como um "agressor de esposas", numa referência à sua ex-mulher, a atriz Amber Heard.

O ator perdeu o processo após o juiz considerar que "a grande maioria das alegadas agressões foram comprovadas" durante um julgamento que também revelou os seus excessos com as drogas e um extravagante estilo de vida, o que prejudicou a sua imagem.

Durante uma conferência de imprensa onde a organização do festival rejeitou todas as perguntas que não fossem sobre a carreira, o ator fez um comentário oblíquo que foi entendido como uma referência ao muito público caso de difamação que perdeu: "Acredito que se se estiver armado com a verdade, então é tudo o que se precisa. Não interessa se um julgamento... tomou alguma liberdade artística. Quando existe uma injustiça, quer seja contra vocês ou alguém de quem gostam ou acreditam... levantem-se, não fiquem sentados. Porque as pessoas precisam de vocês".

Depp teve que desistir, por exemplo, do papel de vilão no novo filme da série "Monstros Fantásticos", inspirada pelo universo Harry Potter.

Em 2016, Depp e Amber Heard divorciaram-se num conturbado processo que resultou em acusações de abusos físicos, que a atriz retirou após receber uma quantia milionária.

"Que mensagem deseja passar a direção do Festival de San Sebastián? [...] Que as acusações de uma mulher não são dignas de confiança? [...] Que a arte está acima do bem e do mal?", questionou a Associação de Mulheres Cineastas e de Meios Audiovisuais (CIMA), uma das vozes crítica à homenagem.

Mas o festival defendeu-se e fez um alerta contra o "linchamento nas redes sociais".

"Depp não foi detido, não foi acusado no tribunal nem condenado por maus-tratos, [então] quando alguém diz que ele é um agressor, esta pessoa está a fazer juízos de valor que vão além daqueles dos juízes", declarou à agência France-Presse o diretor do festival, José Luis Rebordinos.