O ministro da Cultura pediu à IGAC que se desloque ao edifício Monumental, em Lisboa, para perceber o estado em que estão as salas de cinema, encerradas em 2019, cuja desafetação à atividade cinematográfica foi pedida pela proprietária do espaço.
“Para apurar alguma informação divergente que existe sobre o estado efetivo das salas, terminado este período de receber respostas, pedi à IGAC [Inspeção-Geral das Atividades Culturais] que muito brevemente se desloque ao espaço para verificar ‘in loco’ o estado daqueles cinemas”, disse na quinta-feira o ministro Pedro Adão e Silva, em declarações à Lusa e ao Público, em Lisboa, à margem do encontro internacional Book 2.0, organizado pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).
O Ministério da Cultura recebeu o pedido de desafetação em julho, por parte da Merlin Properties, proprietária do edifício Monumental, no Saldanha, que foi alvo de obras e acolhe agora as instalações do BPI.
O ministro referiu que é “preciso apurar” o estado em que se encontram as salas. “Porque os valores de recuperação são muito díspares”, referiu.
Na quarta-feira, em resposta a questões da Lusa, a tutela explicou que, antes de tomar uma decisão em relação ao pedido de desafetação, Pedro Adão e Silva “entendeu ser seu dever esclarecer se a possibilidade de reativar a exibição cinematográfica naquelas salas se encontra esgotada”.
Para isso, endereçou uma missiva às entidades com assento na SECA (Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual, do Conselho Nacional de Cultura), “com vista a apurar se existem interessados na exploração comercial desses cinemas”.
O prazo para as entidades responderem terminou na quinta-feira. Além disso, a tutela “solicitou esclarecimentos adicionais à proprietária do edifício”.
O ministro revelou que já tem “algumas respostas” e que o seu gabinete recebeu na quinta-feira os proprietários do edifício.
Pedro Adão e Silva sublinhou que não irá definir uma data para dar resposta ao pedido da Merlin Properties.
“O pedido de desafetação chegou muito recentemente e é uma situação sensível. Não é uma decisão que se tome de forma ligeira, precipitada e rápida”, disse.
O ministro recordou que “qualquer solução depende da vontade partilhada dos proprietários e eventualmente de investidores”.
Pedro Adão e Silva salientou a necessidade de a cidade “ter cinemas, cinemas com porta para a rua, que garantam a diversidade da programação”.
“Essa é a minha preocupação enquanto ministro”, afirmou.
“O meu desejo é que haja mais salas de cinema e que garantam diversidade e pluralidade da oferta cultural”, disse, nomeando o exemplo do Cinema Batalha, no Porto, reaberto recentemente, que “tem sido um caso de sucesso do que é ter uma sala alternativa com público”.
Na terça-feira, num texto de opinião publicado no jornal Público, 21 profissionais do setor, que representam, entre outros, a Associação de Produtores Cinema e Audiovisual, a Associação Portuguesa de Realizadores, os festivais DocLisboa, IndieLisboa e Curtas de Vila do Conde, as produtoras Midas Filmes, O Som e a Fúria e Alambique, e a exibidora Cinemas Castello Lopes, apelaram para que a desafetação das salas do Monumental não seja autorizada.
Os signatários lembraram que “o país, e Lisboa em particular, tem uma gritante falta de cinemas, e sobretudo de cinemas que não sejam apenas lojas anónimas de centro comercial”, e alertaram que, “com a situação do imobiliário na capital e um pouco por todo o país, qualquer espaço que se perca para o cinema (e para a cultura) será um dano irreparável”.
Para os signatários, “trata-se de [o ministro] estar à altura do momento e de finalmente fazer alguma coisa para que o cinema — e o cinema é nas salas de cinema que vive! — retome entre o lugar que já foi seu”.
“Que finalmente exista uma política para o cinema que coloque o problema (da ausência) das salas de cinema no centro das suas preocupações”, lia-se no texto.
No final de julho, a empresa proprietária do edifício Monumental, Merlin Properties, disse ao jornal Observador que não via “viabilidade de reabrir” as quatro salas de cinema, “entre o forte investimento que é necessário fazer no espaço e o momento difícil que o setor atravessa”.
Segundo a mesma fonte, que garantiu que as obras no edifício não afetaram o espaço do cinema, encontrar um novo exibidor “está fora de questão”.
O Cinema Monumental, com quatro salas, encerrou em setembro de 2019, por causa das obras de remodelação no edifício, localizado no Saldanha.
Na altura, o cinema era explorado pela exibidora Medeia Filmes, do produtor Paulo Branco, que então explicou à Lusa que, apesar de não ter sido formalizado qualquer contrato, havia uma garantia de regresso da Medeia Filmes àquele espaço.
Questionada pela agência Lusa, fonte da comunicação da empresa espanhola Merlin Properties, proprietária do edifício, tinha revelado anteriormente a intenção de manter a exploração de cinema após a remodelação.
Em julho deste ano, a empresa garantiu ao Observador que os espaços do cinema “permanecem vazios e atualmente não são utilizados”. O edifício acolhe agora os escritórios do banco BPI.
Em resposta a questões da agência Lusa, a Merlin Properties respondeu, na quarta-feira, que está a “avaliar a situação” do cinema Monumental e que não tem “nenhuma informação adicional para partilhar”.
As quatro salas do cinema Monumental existiam num edifício de comércio e escritórios que foi inaugurado em 1993 no mesmo espaço onde antes tinha funcionado o antigo, e icónico na cidade, Cine-Teatro Monumental.
Atualmente, em Lisboa só existem três salas de exibição regular fora dos centros comerciais: o Cinema Ideal, no Chiado, remodelado e reaberto pelo produtor Pedro Borges em 2014, o Cinema Nimas, explorado por Paulo Branco, e o City Alvalade, explorado pelo exibidor Cinema City.
Nos últimos dez anos, Lisboa viu ainda desaparecer o cinema Londres, encerrado em 2013 por falência da exibidora Socorama e convertido numa loja, e as salas do Saldanha Residence - mesmo em frente ao Monumental -, fechadas em 2015, por escassez de espectadores.
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