
O estúdio japonês Ghibli festeja 40 anos este mês com dois Óscares e legiões de fãs, jovens e velhos, conquistados pelos seus enredos complexos e fantásticas animações feitas à mão.
Mas o futuro é incerto, com o mais recente sucesso "O Rapaz e a Garça" (2023) provavelmente — mas não com certeza — a ser a última longa-metragem do célebre cofundador Hayao Miyazaki, agora com 84 anos.
O estúdio por trás do vencedor do Óscar "A Viagem de Chihiro" (2001) tornou-se um fenómeno cultural desde que Miyazaki e o falecido Isao Takahata o fundaram em 1985.

Recentemente, a sua popularidade tem sido impulsionada por um segundo Oscar em 2024 para "O Rapaz e a Garça", e pela Netflix a exibir os filmes Ghibli para todo o mundo.
Em março, a internet foi inundada com imagens no seu estilo distintamente nostálgico após o lançamento do mais novo gerador de imagens da OpenAI — levantando questões sobre direitos de autor.
O recém-inaugurado Parque Ghibli também tornou-se uma grande atração turística para a região de Aichi, no centro do Japão.
Julia Santilli, uma britânica de 26 anos que mora no norte do Japão, "apaixonou-se pela Ghibli" depois de vero clássico "A Viagem de Chihiro" quando era criança.
"Comecei a colecionar todos os DVDs", disse à France-Presse (AFP).
As histórias da Ghibli são "muito envolventes e a arte é deslumbrante", diz outra fã, Margot Divall, de 26 anos.
"Provavelmente ainda vejo 'A Viagem de Chihiro' umas 10 vezes por ano."
"Cheiro de morte"

Antes da Ghibli, a maioria dos desenhos animados no Japão — conhecidos como animes — era feita para crianças.
Mas Miyazaki e Takahata, ambos da "geração que conheceu a guerra", incluíram elementos mais sombrios que atraem adultos, disse Goro, filho de Miyazaki, à AFP.
"Nem tudo é doce — há também uma amargura e coisas do género que estão deslumbrantemente entrelaçadas na obra", esclareceu, descrevendo um "cheiro de morte" nos filmes.
Para os mais jovens que cresceram em tempos de paz, "é impossível criar algo com o mesmo sentido, abordagem e atitude", nota Goro.
Até "O Meu Vizinho Totoro" (1988), com as suas criaturas fofinhas da floresta, é, de certa forma, um filme "assustador" que explora o medo de perder uma mãe doente, explica.

Susan Napier, professora da Universidade Tufts, nos EUA, e autora de "Miyazakiworld: A Life in Art", concorda.
"Na Ghibli, temos ambiguidade, complexidade e também uma disposição para ver que a escuridão e a luz muitas vezes andam juntas", ao contrário dos desenhos animados americanos do bem contra o mal, diz.
O pós-apocalíptico “Nausicaa do vale do vento” — considerado o primeiro filme da Ghibli, apesar de seu lançamento em 1984 — não tem um vilão óbvio, por exemplo.
O filme, que apresenta uma princesa independente, curiosa sobre insetos gigantes e uma floresta venenosa, parecia "tão original" e uma mudança em relação a "uma mulher passiva... que precisa ser resgatada", diz Napier.
Mundo natural

Os filmes da Ghibli também retratam um universo onde os humanos ligam-se profundamente com a natureza e o mundo espiritual.
Um exemplo disso foi "A Princesa Mononoke" (1997), distribuído internacionalmente pela Disney.
A história de uma menina criada por uma deusa-lobo numa floresta ameaçada por humanos é "uma obra-prima — mas um filme difícil", diz Napier.
É um filme "sério, sombrio e violento", apreciado mais por adultos, o que "não era o que o público americano esperava de um filme sobre uma princesa".
Os filmes da Ghibli "têm um lado ambientalista e animista, o que acho muito apropriado para o mundo contemporâneo com as mudanças climáticas", acrescenta.
Miyuki Yonemura, professora da Universidade Senshu, no Japão, que estuda teorias culturais sobre animação, disse que ver os filmes da Ghibli é como ler literatura.
"É por isso que algumas crianças assistem a 'Totoro' 40 vezes", diz, acrescentando que os espectadores "estão sempre a descobrir algo novo".
Ligação francesa

Miyazaki e Takahata — que faleceu em 2018 — conseguiram criar mundos imaginativos devido à sua abertura a outras culturas, diz Yonemura.
As influências estrangeiras incluíram o escritor Antoine de Saint-Exupéry e o animador Paul Grimault, ambos franceses, e o artista canadiano Frédéric Back, vencedor do Óscar pela sua animação "L'homme qui plantait des arbres" (1987).
O facto de Takahata estudar literatura francesa na universidade "foi um grande fator", disse Yonemura.
"Tanto Miyazaki como Takahata leem muito", explica. "Essa é uma das principais razões pelas quais eles se destacam tanto na escrita de argumentos e na criação de histórias."
Miyazaki disse que se inspirou em vários livros para "Nausicaä", incluindo o conto japonês do século XII "A princesa que amava insetos" (tradução livre) e na mitologia grega.
O estúdio japonês Ghibli não será o mesmo depois que Miyazaki parar de criar animação, "a menos que surja um talento semelhante", diz Yonemura.
Miyazaki é "um artista fantástico com uma imaginação visual incrível", enquanto ele e Takahata eram "politicamente progressistas", destaca Napier.
"Quanto mais estudo, mais percebo que este foi um momento cultural único", diz.
"É tão amado que acho que continuará a existir", diz Divall, fã da Ghibli.
"Desde que não perca a sua beleza, desde que continue com a quantidade de esforço, cuidado e amor", nota.
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