O cineasta Karim Ainouz apresentou no domingo no Festival de Cannes "Firebrand", um filme sobre a dinastia Tudor que reivindica a personagem da última esposa do rei Henrique VIII, interpretada por Alicia Vikander.

Graças à sua astúcia, Catarina Parr (1512-1548) sobreviveu a um rei irascível, que mandou cortar as cabeças das suas duas esposas anteriores (Ana Bolena e Catarina Howard) e não hesitou em romper com a Igreja de Roma para poder divorciar-se de Catarina de Aragão.

Com o marido na França, chegou a ser regente num período de guerra, além de escrever e publicar livros religiosos assinando o seu próprio nome.

"Não sabia nada dos Tudor"

Karim Ainouz

Realizador de filmes rodados no Brasil e na Argélia (por suas raízes familiares), e também na Europa, Ainouz volta a demonstrar com este filme, em disputa pela Palma de Ouro, o seu primeiro em inglês, que é um cineasta sem fronteiras, nem limites históricos.

"A questão é, ao contrário, por que não? Quando os americanos filmaram 'Cleópatra', ninguém lhes fez esta pergunta", responde, quando questionado sobre seu interesse como brasileiro por um período tão específico da história britânica, além de muito filmado.

Depois, admite que "Firebrand" foi uma encomenda que recebeu em 2020, quando os seus projetos tinham sido suspensos no Brasil.

"Não sabia nada dos Tudor", reconhece, em entrevista à AFP, em alusão à dinastia de Henrique VIII.

"Encontrei esta produtora maravilhosa que me falou de Catarina Parr e comecei a estudar a personagem", explica.

"Era uma oportunidade de fazer algo diferente, mas ao mesmo tempo, há muitas similaridades entre ela e outras personagens [femininas] minhas", lembra.

Em 2019, Ainouz ganhou o prémio da mostra paralela Un Certain Regard, em Cannes, com "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", uma história sobre mulheres, ambientada numa família brasileira dos anos 1950, dominada pela figura do pai.

Este novo filme "é, para mim, como uma canção contra o patriarcado. Não só devemos acabar com ele, temos de matá-lo", diz, com um sorriso nos lábios.

Uma mulher "extremamente inteligente"

"Firebrand"

Catarina Parr "era uma mulher extremamente inteligente, extremamente agressiva", explica, noutra entrevista, Alicia Vikander ("Ex_Machina"), falando da sua atração pela personagem.

A atriz sueca vencedora de um Óscar interpreta uma rainha com os seus próprios pontos de vista reformistas, numa época de caos religioso em toda a Europa.

A sua atuação destaca-se ainda mais à medida que tem diante de si um formidável Henrique VIII, interpretado por Jude Law, quase irreconhecível como um rei ogre obeso, paranoico e sexualmente voraz, com uma gangrena na perna que o atormenta.

"Obviamente, Jude e eu conversámos muito porque as cenas são muito violentas. Mas o interessante, enquanto filmávamos, eram as cenas mais subtis, como por exemplo quando muda de humor", explica.

Jude Law já tinha manifestado no passado o interesse em interpretar Henrique VIII, uma das figuras mais controversas e temidas da história britânica e de todas as casas reais europeias.

"Para mim, é aí que acontece a magia: quando você tem um personagem diante de si para além do guarda-roupa", acrescenta Vikander.

A jovem atriz destacou-se, em 2014, no papel de uma androide em "Ex_Machina".

Os dois papéis não são tão diferentes, assegura ela.

"No fundo, era a mesma coisa: encontrar a verdade e o aspeto humano neles", explica.

A monarquia britânica é "como um teatro"

"Firebrand"

Esta segunda-feira, Jude Law disse em Cannes que vê a monarquia do seu país "como um teatro".

"Vejo tudo isto como um teatro, embora o teatro me deixe um pouco mais obcecado", declarou na conferência de imprensa após a exibição de gala no domingo de "Firebrand".

"Realmente não acompanho tudo isso, vejo como um capítulo intrigante da história", acrescentou.

"Não estou particularmente interessado em mexericos", acrescentou, em alusão às tensões na atual família real britânica.

Ao mesmo tempo, “há algo realmente admirável nessas imagens como de uma cerimónia medieval, como se conecta com a atualidade”, completou, referindo-se à coroação de Carlos III.

A interpretação do lendário rei inglês foi unanimemente elogiada no festival.

Na conferência de imprensa, Law contou que, para "recriar" a ferida da gangrena, recorria aos serviços de um perfumista, que misturou "cheiro de pus, sangue, fezes e suor".

“No início, usava-o discretamente”, explicou, mas Karim Ainouz encantou-se com a ideia e usou sempre a mistura.

"Quando cheguei ao set foi simplesmente horrível", brincou Alicia Vikander.