Os rappers do grupo N.W.A (Niggaz Wit Attitudes) escandalizaram a sociedade americana durante a década de 1980, com músicas sobre a situação vivida pelos jovens negros nos bairros mais pobres do país. No seu auge, conseguiram unir a esquerda liberal e a direita reacionária, sendo considerados "o grupo mais perigoso do mundo".

Quase três décadas depois, o filme baseado na história do grupo que mostra que as suas denúncias continuam mais vivas do que nunca tornou-se uma das histórias de sucesso comercial mais espantosas de 2015.

Com 60,5 milhões de dólares na sua estreia nos EUA, "Straight Outta Compton" teve receitas de bilheteira superiores às de dispendiosos títulos cheios de ação e efeitos especiais desta temporada como "Homem Formiga" (57,2), "Missão Impossível: Nação Secreta" (55,5). E isto apesar de não ter nenhuma estrela e estar em menos 1200 salas do que esses títulos.

Visto como um filme de tal forma arriscado que levou ao reforço da segurança em algumas salas de cinema paga pelo próprio estúdio para evitar incidentes envolvendo gangues, o "biopic" musical de duas horas e meia tornou-se também a melhor estreia do género, ultrapassando "Walk the Line" sobre Johnny Cash (2005, com 28,3 milhões de receitas ajustadas à inflação) e "Notorious B.I.G." (2009, 22,3 milhões). Bate igualmente "8 Mile" (51,2), lançado em 2002 com Eminem no seu auge.

Ainda sem data de estreia em Portugal, "Straight Outta Compton", o nome do primeiro álbum do N.W.A., mostra como Easy-E, Dr. Dre, Ice Cube, MC Ren e DJ Yella se uniram para criar um dos grupos de hip hop mais influentes do país, pioneiros do estilo gangsta rap.

Das suas longas histórias nos estúdios e experiências nas ruas nasceram canções como "Fuck Tha Police", na qual acusaram a polícia de Los Angeles de agir com brutalidade contra os jovens negros.

A música assombrou as autoridades, a tal ponto que o FBI emitiu um alerta contra as pessoas que se arriscavam a cantá-la. Mas as intimidações não alcançaram o objetivo e a canção atualmente é uma das mais ouvidas nos protestos contra a polícia.

"Foi com a nossa música que as pessoas começaram a perceber os problemas entre os jovens negros e a polícia", afirmou à AFP Ice Cube.

Mas o tempo passou e a sociedade americana continua com os mesmos problemas: os abusos da polícia são divulgados diariamente nas redes sociais com vídeos gravados pelos cidadãos e incluem maus-tratos, agressões, detenções arbitrárias e até assassinatos.

A revolta social dos telemóveis  "começou de muitas maneiras durante a Primavera Árabe e, graças a isso, o mundo está atento ao que acontece", comentou o famoso rapper.

A música não deve perder de vista a luta, porque demonstra que "as pessoas têm voz", afirmou ainda Ice Cube.

"Não é necessário que sentir e deixar que as coisas aconteçam, pode dizer-se algo em voz alta", completou.


Lutar Cantado

O realizador F. Gary Gray ("Um Golpe em Itália",  Um Cidadão Exemplar") recebeu a missão de condensar a história do N.W.A..

É importante notar que a vida era muito complicada em 1986 para os jovens que moravam em Compton, uma área pobre ao sul de Los Angeles com forte presença das drogas e do crime organizado.

Compor e cantar era a forma natural de lutar contra um futuro que parecia imposto.

"Eles revelaram um problema que estava oculto. Acredito que as pessoas realmente não percebiam os abusos cometidos na época", afirmou o cineasta à AFP.

O álbum "Straight Outta Compton" fez um gigantesco sucesso e logo começaram as tournées, com muito dinheiro e mulheres, assim como a falta de controlo.

Easy-E (interpretado por Jason Mitchell), Dr. Dre (Corey Hawkins) e Ice Cube (O'Shea Jackson Jr., filho do próprio Ice Cube) conseguiram continuar, mas a gestão do empresário Jerry Heller (Paul Giamatti) acabou por provocar, em 1991, a separação amarga de um dos membros.

A reconciliação chegou anos mais tarde, mas não a tempo do N.W.A. regressar aos palcos: Easy-E faleceu em 1995, vitimado pela SIDA.

A essência do grupo permanece viva graças aos restantes, em especial Ice Cube, músico e ator de carreira consolidada, e Dr. Dre, um dos produtores musicais mais poderosos do planeta e criador dos fones de ouvido Beats.