“Gelo” estreia esta quinta-feira, 3 de março, em 16 salas por todo o país e traz uma combinação única de elementos diversos – entre os quais uma história romântica enquadrada por um fundo de ficção científica. A obra de Luís e Gonçalo Galvão Teles investe numa intrincada e enigmática intriga que conta não uma, mas duas histórias.
As protagonistas são Joana e Catarina (ambas vividas pela atriz espanhola Ivana Baquero, que participou em “O Labirinto do Fauno”): a primeira é uma estudante de cinema subitamente apaixonada por um misterioso personagem (Miguel, vivido por Afonso Pimentel); a outra é uma “cobaia” enclausurada numa mansão com uma espécie de “pai adotivo”, Samuel (Albano Jerónimo). O elenco inclui participações de Ivo Canelas e Inês Castel-Branco como membros da sociedade secreta Vida Futura.
Filmado na Serra da Estrela e com muitos reflexos e superfícies brancas (vidros, água, gelo), o filme é mais uma assinalável construção visual de João Ribeiro, diretor de fotografia também de “Cartas da Guerra”, recém estreado no Festival de Berlim. Ao mesmo tempo, situa-se a meio entre o cinema de autor e o entretenimento – sugerindo questões metalinguísticas (a forma de contar histórias), existenciais (a morte e a descendência) misturadas com romance e suspense.
Em conversa com o SAPO MAG, o ator Afonso Pimentel e os realizadores explicam essas ramificações - até porque, como define Luís, quando se trata de cinema, “todas as histórias são possíveis”.
Enredos complexos, homens pré-históricos, ficção científica
Com o evoluir das histórias de Joana e Catarina, o enredo vai-se tornando cada vez mais complexo e depois do suspense inicial, passando por uma história romântica e outra de prisão domiciliar, a fase final é marcada por elementos de ficção científica – nomeadamente no que se refere à criogenia, algo que parte da descoberta de um homem pré-histórico encontrado intacto sobre o gelo.
Construir um mistério sem desembocar em excessos e perder o espectador foi uma das grandes preocupações dos envolvidos. E, na primeira parte do filme, cabe ao personagem de Afonso Pimentel desafiar a audiência.
“Foi difícil compor o Miguel exatamente por isso. Eu não queria fazer um sujeito que só criasse dúvida e confusão sem, ao mesmo tempo, lançar pistas”. O total esclarecimento da sua participação, no entanto, fica guardado para os últimos momentos do filme.
Dificuldades também para os argumentistas. A partir de um original de Luís Diogo, apresentado a Luís e Gonçalo Galvão Teles em 2004, as sucessivas adaptações enquanto o projeto não avançava devido a problemas políticos e económicos levaram a um guião muito diferente do inicial.
Conforme explica Gonçalo, “o risco que se corre nestes cruzamentos entre histórias e géneros é redundar no exibicionista do escritor, mostrando trunfos que só estão lá para baralhar o espectador. Evitar isso foi a nossa principal preocupação”.
A destruição da humanidade e a descendência
Miguel também tem a característica de carregar consigo uma espécie de fatalismo sombrio, culminando num diálogo onde diz “não quero ter filhos porque nascemos para morrer e não quero impor isso a ninguém”.
“O Miguel tinha muito da idealização dela, que queria uma vida normal. Ele era um homem que lhe dava afeto e atenção num momento, mas no outro dizia-lhe coisas como essa. Isso não o afastava do romantismo, embora não daqueles ultra-românticos. Não sabemos bem quem ele é”.
Para um filme feito por pai e filho, que termina com dedicatórias a futuras gerações, a divergência não podia ser mais aguda.
Segundo Luís, o próprio arco da personagem no filme define aquilo em que acredita, ou seja, que a vida consiste exatamente naquilo que deixamos para quem vem a seguir. “O filme é mais uma resistência contra a destruição da humanidade, daquilo que ela é sujeito nos dias de hoje”, observa.
Cinema para todos: “Esperamos que o público se sinta desafiado”
“Não estou receoso, estou curioso. O filme não é cinema de autor destinado a um público restrito, mas também não é um 'blockbuster'. Eu gosto muito desta ideia de não ser meramente comercial, ao mesmo tempo que penso se teremos uma receita com o equilíbrio certo para que as pessoas se identifiquem”, diz Afonso Pimentel.
Gonçalo aproveita para se afastar da discussão sempre bipolar que existe em Portugal entre cinema de autor e cinema comercial.
“Dentro de um
a sala de projeção todas as histórias são possíveis. O cinema é a vida e cada um a vê de uma forma e isso reflete-se no seu filme. Esta é uma discussão estéril e que se perde em si mesma. Há provas constantes da vitalidade do cinema português, seja através de oito filmes em Berlim, seja de sucessos comerciais”.
Vida Futura
"Gelo" surge com uma distribuidora recém-criada para distribuir as obras da Fado Filmes, a Vicinema – segundo Luís Galvão Teles, uma forma de dar um lançamento mais personalizado a cada trabalho – em vez de algo padrão. Para um futuro próximo, já está previsto o lançamento de “Cinzento e Negro”, de Luís Filipe Rocha.
Por seu lado, Afonso Pimentel tem dois videoclips fin alizados como realizador (para a banda de rock Klepht e para a cantora soul Kika) enquanto aguarda pelo verão para fazer um périplo pela Europa, patrocinado pelos Césars franceses, com a sua curta-metragem “Encontradouro”, vencedora de um prémio Sophia no ano passado. A obra foi escrita, produzida e dirigida por ele.
Veja o trailer de "Gelo".
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