Não será estranho ao Festival de Berlim ter como um dos grandes destaques do seu cartaz o mais recente filme de
Roman Polanski. Não porque o filme possa gerar polémica mas porque certamente tudo o que o envolve, com o pano de fundo da prisão do realizador, será alvo de controvérsia. E não será algo fora do comum porque, em Berlim, polémica foi coisa que nunca faltou.
Agora a soprar as velas pelos seus 60 anos, o certame é filho da Guerra Fria, chegou a ser usado como instrumento de propaganda dos Aliados, e, em parte, tem sido palco para lutas políticas que vão para lá do ecrã de cinema.
«O festival surgiu no auge da Guerra Fria. Berlim estava reduzida a cinzas mas era um poderoso símbolo para o Ocidente», afirmou o director do certame
Dieter Kosslick.
Quando, em 1951, teve lugar o primeiro Festival de Berlim, dois milhões de alemães estavam desempregados e dezenas de milhares de sem-abrigo ainda viviam em campos de refugiados. Este foi um dos factos apurados pelo historiador britânico
Peter Cowie que, no seu livro
«The Berlinale – The Festival» mostra que o evento foi uma forma de os militares americanos mostrarem o «espectáculo de um mundo livre» ainda com as recentes memórias do nazismo mas também de estabelecer um foco de defesa cultural na Berlim Ocidental.
Com a cidade em estado de depressão, o festival foi um meio para levar algum do «glamour» de Hollywood e do brilho de tempos áureos a quem já não o via há muito tempo. Foi por isso que, nos primeiros anos, os prémios de topo acabaram por ir parar às mãos de americanos ou britânicos.
Só em 1958 seria um filme europeu a vencer o galardão mais desejado. O momento inédito foi possível graças a
«Morangos Silvestres», de
Ingmar Bergman, que conquistou o júri e fez história em Berlim.
Já em 1970, o realizador alemão
Michael Verhoeven voltou a deixar uma mensagem polémica com o seu
«O.K.», sobre uma rapariga vietnamita violada e assassinada por soldados americanos. A recepção foi de tal forma controversa que o júri acabou por abandonar o certame sem atribuir qualquer prémio.
Nove anos depois seria
«O Caçador» de
Michael Cimino a levantar vozes. A delegação soviética, que incluía representantes da Europa de Leste e dois membros do júri, abandonaram o festival alegando que aquele era um retrato insultuoso dos vietnamitas.
O autor do livro «The Berlinale – The Festival» vai mais longe e trata a Berlinale como uma mesa pública para divulgação de pontos de vista políticos ao longo dos anos. Diz Peter Cowie que muitos países escolheram o palco de Berlim para «não se envolverem militarmente e deixarem claro o seu ponto de vista».
Agora, 60 anos depois, o que antigamente parecia polémico passou a ser apenas história do cinema. Prova disso é que este ano
«O Caçador» vai voltar a Berlim. E será quase certo que ninguém vai abandonar o festival por sua causa.
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