Sean Baker temia que "Anora", a sua comédia ácida que fez sucesso no Festival de Cinema de Cannes e está na corrida à Palma de Ouro, fosse muito controversa.

Mas a resposta entusiástica ao seu filme sobre uma jovem trabalhadora sexual (Mikey Madison) que se casa com um herdeiro imaturo revela um fascínio pela profissão mais antiga do mundo, diz à France-Presse.

"É bom e um pouco surpreendente porque parece que até agora não houve tanta divisão quanto pensava", afirmou o realizador norte-americano, reforçando que o filme aborda "temas que são atualmente extremamente polémicos".

"Anora" narra o relacionamento entre uma stripper de Nova Iorque e o filho de um oligarca russo. Eles casam-se por capricho em Las Vegas, o que desperta a fúria das suas famílias.

"Estamos todos fascinados pelo mundo do trabalho sexual", diz Baker, que já abordou esta temática em filmes anteriores.

Segundo ele, isto acontece em parte porque a questão "está bem à nossa frente, quer queiramos vê-la ou não".

"Não é uma piada, da minha cozinha posso literalmente ver o interior de uma casa de massagens", conta.

Mas o comércio sexual suscita opiniões diversas. Muitos consideram uma forma de exploração, enquanto outros acreditam que pode ser libertador, analisa o cineasta, que destaca um potencial de abordar "infinitamente" o tema.

Baker assumiu como missão mostrar personagens imperfeitas, que lidam com os mesmos problemas mundanos que todas as outras.

"Não posso simplesmente fazer — e perdoem a minha expressão — uma história da 'prostituta com o coração de ouro'", afirma.

"Explosão selvagem e profana"

"Anora"

"Anora" recebeu boas críticas. A Vanity Fair chamou o filme de "uma explosão selvagem e profana".

É um dos 22 títulos que concorrem à Palma de Ouro, o principal prémio do Festival de Cannes, que será anunciado no sábado pelo júri presidido por Greta Gerwig, a realizadora de "Barbie".

Baker contou que seria o seu "sonho" que Mikey Madison, que interpreta a trabalhadora sexual Ani, ganhasse o prémio de Melhor Atriz.

Mais conhecida por "Era uma vez em... Hollywood" e o quinto "Gritos", a atriz treinou 'pole dance' durante três meses e aperfeiçoou um sotaque nova-iorquino único.

Um prémio em Cannes poderia impulsionar a produção para ter um lançamento mais amplo nos EUA do que a maioria dos filmes independentes, como os do próprio Baker, que se tornou um dos realizadores mais badalados do circuito com "Tangerine" (2015) e especialista em colocar humor nos ambientes mais sórdidos da sociedade americana, sejam os pobres que ficam amontoados em motéis na Flórida ("The Florida Project") ou os problemas de um ator pornográfico para encontrar um emprego decente ("Red Rocket").

"Disseram ao público americano 'vão ao cinema só para ver os grandes sucessos de bilheteira, podem ver o resto na Netflix'... É uma loucura!", diz.

O filme tem uma distribuidora de prestígio nos EUA, a Neon, que lançou os últimos quatro vencedores da Palma de Ouro no país.

Embora aborde uma temática similar às suas produções anteriores, "Anora" é seu filme mais humorístico até agora.

De facto, quando um trio de gangsters chega à casa dos recém-casados, o público prepara-se para uma explosão de violência, mas a sua falta de destreza rapidamente leva a uma situação ao estilo d´ Os Três Estarolas.

"Ainda estou a tentar explorar até onde posso ir" com a comédia, conta, enfatizando que é necessário "um equilíbrio".

"Portanto, tem de se saber fazer rir, até se fazer chorar", completa.