A caminho dos
Óscares 2025
Aplaudido em Hollywood e repudiado no México: "Emília Pérez", o musical francês de Jacques Audiard sobre uma narcotraficante transgénero, seduziu o mundo cinéfilo, mas irritou o país onde se inspirou por banalizar o drama da violência criminal.
Esta quinta-feira, o filme em castelhano rodado na França recebeu 13 nomeações para os Óscares, um recorde para uma obra que não é na língua inglesa.
"'Emília Pérez' é tudo de mau num filme: estereótipos, ignorância, falta de respeito, lucro em cima de uma das crises humanitárias mais graves do mundo (desaparecimentos massivos no México). Ofensivo. Frívolo", resumiu na rede social X (antigo Twitter) Cecilia Gonzáles, jornalista mexicana.
Inverossímil
O diretor de fotografia Rodrigo Prieto (“Barbie” e “Assassinos da Lua das Flores”) fez a primeira crítica negativa ao filme, que foi rodado em estúdios franceses com algumas cenas externas noturnas no México.
Com exceção do trabalho da atriz mexicana Adriana Paz, "tudo me parece inverosímil", resumiu numa entrevista com a publicação Deadline.
"Principalmente quando o tema é muito importante para os mexicanos" acrescentou, referindo-se aos mais de 30 mil assassinatos anuais e mais de 100 mil pessoas desaparecidas, registos ligados na sua maioria à narco-criminalidade.
“Não tenho nada contra o facto de não mexicanos dirigirem filmes sobre o México, mas os detalhes são importantes. Temos o caso de Ang Lee. Ele é de Taiwan e fez 'O Segredo de Brokeback Mountain', mas concentrou-se nos detalhes”, explicou, referindo-se ao trabalho de 2005 em que também foi o responsável pela fotografia.
“O filme banaliza o problema dos desaparecidos no México”, acusa Artemisa Belmonte, que lançou uma petição no site change.org para se opor ao lançamento do filme (11.100 assinaturas desde 9 de janeiro).
É “um dos filmes mais grosseiros e enganadores do século XXI”, escreveu o escritor Jorge Volpi no diário El País no início de janeiro, que também destacou o terrível sotaque de Selena Gomez, irritante para a fibra nacionalista dos mexicanos.
Ele questiona-se qual seria a reação se um cineasta mexicano, seja Alfonso Cuarón, Alejandro González Iñárritu ou Guillermo Del Toro, tivesse feito um filme sobre os tumultos nos subúrbios franceses num estúdio no México e com atores latinos de Hollywood a interpretar franceses.
O ator mexicano Eugenio Derbez, que também tem uma carreira em Hollywood, classificou o sotaque de Gomez de “indefensável”.
“Desculpe-me, fiz o que pude com o tempo que me foi dado”, respondeu a atriz de 32 anos, levando o mexicano a acabar por pedir desculpa: “Como latinos, devemos apoiar-nos uns aos outros”.
'Mea-culpa'
Audiard defende-se com o argumento de que o filme “é uma ópera” e, portanto, “irreal”. Mas fez um exercício de 'mea-culpa' numa apresentação no México: “Se acharem chocante (...) estou pronto para pedir desculpas”.
“Selena e Zoe [Saldaña] dão uma dimensão comercial, não há como negar”, disse em Bogotá (Colômbia], quando questionado pela agência France-Presse (AFP) numa entrevista sobre os poucos mexicanos no elenco.
“Não acho que Gene Kelly tenha ido a Paris para fazer 'Um Americano em Paris'”, disse Del Toro em defesa do filme.
Outro defensor do filme é o crítico do jornal Milenio Álvaro Cueva.
“Se os grandes mestres do cinema, como Federico Fellini e Luis Buñuel, estivessem vivos, este é o tipo de filme que fariam”, resumiu, também gerando polémica.
Angie Orozco, uma investigadora do estado de Nuevo León, no norte do país, não se importa com o facto de ser um musical, mas pede que trate “com respeito” e com a “intenção de ajudar”.
“Espero que todo este barulho possa ser aproveitado. Espero que deixemos o superficial e cheguemos ao fundo do que os desaparecimentos implicam. Precisamos prestar atenção a essa crise”, resumiu ao Milenio.
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