O documentário "Visões do Império" encerra hoje o ciclo "Libertar a Memória #2", promovido pela associação cultural O Corvo e a Raposa, em Lagos, distrito de Faro, enquadrado na programação do Museu de Lagos - Rota da Escravatura.

Este ciclo procura abordar "um tema tão desconfortável quanto necessário": a História, o passado colonial e pós-colonial e as consequências "que perduram até hoje num Portugal ainda com dificuldades em abordar estes assuntos" assim como em "pensar o seu impacto na construção da atual sociedade", segundo O Corvo e a Raposa.

"Visões do Império" tem realização de Joana Pontes, em coautoria com os investigadores Miguel Bandeira Jerónimo e Filipa Lowndes Vicente, e mergulha em arquivos públicos e privados para refletir sobre o modo como a fotografia foi usada durante a ditadura do Estado Novo, para criar uma narrativa imperialista dos territórios colonizados.

Nesta reflexão, Joana Pontes recorreu a fotografias tiradas em contexto privado e familiar por portugueses que habitaram nas ex-colónias, nomeadamente a própria família da realizadora.

"Estava a fazer a minha investigação de doutoramento em História Contemporânea, sobre a forma como as pessoas comuns viram a guerra colonial, como sentiram essa missão privadamente. Estudei quase cinco mil cartas e, no acervo que estudei, havia muita circulação de fotografias que eram extremamente importantes, que os soldados mandavam às famílias para manter a ligação", recordou Joana Pontes à agência Lusa em 2021, quando da estreia do filme nas salas de cinema, acompanhado de uma exposição de muitas dessas imagens, no Padrão dos Descobrimentos.

"Tenho sempre uma preocupação nos meus projetos que é tirar do espaço académico os assuntos para os poder debater no espaço público e, noutra linguagem, torná-los acessível ao um público mais vasto", sublinhou então a realizadora, lamentando que essa transmissão de conhecimento não aconteça mais amiúde, nomeadamente no contexto educativo.

O resultado da sua investigação demonstrou uma realidade "poliédrica", como a realizadora a definiu: "Há um itinerário de interrogações sobre a maneira como se deu a ideia de que o império era grande, estava ocupado, havia ordem e progresso, e essa ideia é contestável. Hoje em dia consegue-se perceber que afinal não era bem assim".

"Visões do Império" regressa hoje ao Armazém Regimental de Lagos, para uma exibição seguida de debate e encerrar o ciclo "Libertar a Memória #2".

Este ciclo teve uma primeira etapa no passado dia 31 de outubro com o documentário "Debaixo do Tapete", da jornalista Catarina Demony, cujos antepassados - de nome Matoso de Andrade e Câmara - foram comerciantes de pessoas escravizadas em Angola, entre os séculos XVIII e XIX.

Numa investigação com o jornalista Carlos A. Costa, Catarina Demony conta a história da família, e procura igualmente abordar "consequências de séculos de escravatura".

Os dois jornalistas procuram ainda "explicar porque é que o passado colonial continua a ser um 'tabu' na sociedade atual, e porque é que, mais do que nunca, é importante trazer o assunto para cima da mesa".

De acordo com a associação algarvia O Corvo e a Raposa, o ciclo "Libertar a Memória" questiona "se a História tem sido bem contada - o que se escolhe ensinar em detrimento do que se oculta [...], que vozes não foram ouvidas até agora" e é necessário ouvir.

A par da exibição do documentário, marcada para as 19:00, o ciclo conta com uma curadoria literária de Marta Lança e do projeto Buala, com a disponibilização de livros para "enquadrar, desafiar e abrir novos caminhos e consciência" sobre os temas em debate.

O ciclo "Libertar a Memória" tem coordenação e direção artística de Luísa Baptista, e apoio da Comissão de Coordenação Regional do Algarve, do Município de Lagos, do Cineclube de Faro, da Buala, do Museu Zer0 e da livraria A Internacional.