No início de abril, todos os cinemas da China foram inundados com filmes antigos de propaganda ao Partido Comunista. E por decisão das autoridades, terão de exibir pelo menos dois todas as semanas até ao fim de 2021.

Ao mesmo tempo e após semanas de promoção, desapareceram misteriosamente os posters e informação sobre os bilhetes para o relançamento da trilogia "O Senhor dos Anéis" (2001-2003), remasterizada para festejar o 20.º aniversário do primeiro filme, "A Irmandade do Anel", respetivamente a 9, 16 e 23 de abril.

O resultado? Os espectadores revoltaram-se e não foram aos cinemas. E tal como tinham desaparecido, os filmes realizados por Peter Jackson regressaram outra vez à programação sem explicações.

Segundo a China Film Administration, o objetivo da política é homenagear o 100.º aniversário da fundação do Partido com o regresso de filmes que têm como tema "amar o Partido, o país e o socialismo" e "louvar o Partido Comunista Chinês, a pátria, o povo e os seus heróis".

Muitos são do tempo de Mao Tsé-Tung, que liderou o país desde 1949 até à sua morte em 1976, criados especificamente para educar os telespectadores sobre a história do Partido.

Em teoria, a decisão fazia sentido: a China é o maior mercado de cinema do mundo e o inquérito de uma das aplicações que vende bilhetes online revelou que 70% dos espectadores nasceram entre 1986 e 2021.

O regulador destacou o desejo dos "jovens" de "aumentar o seu afeto" pelo Partido e o socialismo vendo os filmes, mas a realidade foi diferente: por exemplo, dados oficiais revelaram que "The Red Detachment of Women" [O Destacamento Vermelho das Mulheres] (1961) teve quase 1500 sessões entre 1 e 15 de abril, mas nenhuma com espectadores em 14 dos dias.

As queixas surgiram nas redes sociais, com comentários como "só queremos ver filmes de entretenimento, por favor não nos incomodem aqui com as relações EUA-China",  "não estamos a ser anti patrióticos, apenas queremos ver bons filmes" e "apoio os filmes nacionais, mas espero poder escolher livremente o que gosto, não o que querem que eu goste!".

Finalmente, a 14 de abril e sem explicar o atraso, a distribuidora Warner Bros. anunciou o relançamento da trilogia, começando daí a dois dias com "A Irmandade do Anel".

"Existe um ressentimento em relação a um Estado paternalista que determina o que se pode ou não ver em termos de cultura. O orgulho nacionalista, que certamente existe, só pode ir até certo ponto", explicou à CNN Stanley Rosen, professor da Universidade do Sul da Califórnia especializado na política e sociedade chinesas.

"Depois de mais de 30 anos de mercantilização, as pessoas estão habituadas a pensar em si mesmas como consumidores com opções, não como alunos a serem educados através do entretenimento. Mesmo que gostem de alguns filmes 'patrióticos', acho que os espectadores chineses não gostam que lhes digam o que devem fazer", disse Chris Berry, um professor de Estudos de Cinema na King's College de Londres.

Houve outro fator que pesou no regresso da aclamada saga de fantasia: as bilheteiras na China estão instáveis e os filmes americanos são importantes para a recuperação, como confirmou o impacto do regresso em março de "Avatar", de James Cameron.

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"A indústria cinematográfica chinesa não é apenas estúdios de produção, mas também cinemas e distribuidores. E o setor de distribuição e exibição ganha muito dinheiro com as importações de Hollywood. Podem estar preocupados por virem a ter prejuízos financeiros com essa política. Afinal, o público pode assistir a outras coisas na TV e na internet", esclareceu Chris Berry.

Nas últimas duas semanas de abril, "A Irmandade do Anel" e "As Duas Torres" arrecadaram o equivalente a 15 milhões de dólares, o suficiente para entrar no TOP 10 mensal.

Mas Tan Ke, um analista de cinema numa empresa de consultadoria chinesa, não tem dúvidas que todo o drama à volta do relançamento foi um erro da entidade reguladora e a saga foi prejudicada pelo volte-face de última hora que apanhou espectadores, cinemas e distribuidores desprevenidos.

"Precisamos de mais 'Avatar' e 'O Senhor dos Anéis' para salvar o mercado. [O drama] afetou a capacidade do filme de salvar as bilheteiras", concluiu.

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