Tal como muitos dos seus compatriotas tunisinos, Amine Elhani, de 23 anos, nunca foi ao cinema, mas agora, graças a um cinema ambulante que percorre o país, pode finalmente desfrutar do grande ecrã.

Este já não é o antigo cinema ambulante que desempenhou um papel fundamental na divulgação e expansão do cinema em Portugal durante décadas do século XX: o camião vermelho brilhante do CinemaTdour, ou “cinema em movimento”, transformou parques de estacionamento e instalações de fábricas em cidades e bairros desfavorecidos de todo o país do Norte de África em cinemas de circunstância de grande qualidade.

Na cidade central de Djemmal, dezenas de trabalhadores descarregaram o camião extensível, montando facilmente um cinema no exterior totalmente equipado com 100 lugares.

“O ecrã é enorme e os efeitos sonoros são incríveis”, disse Elhani, que até agora só via filmes no seu telemóvel ou no computador.

“Nunca teve a oportunidade de ir ao cinema”, disse à agência France Presse (AFP).

E acrescentou: “É uma experiência fantástica, especialmente porque estou a ver com amigos."

Os cinemas são escassos na Tunísia, apenas 15 e em grande parte concentrados nos principais centros urbanos.

Reconhecendo esta lacuna, o CinemaTdour foi lançado em maio pela rede cultural privada Agora e pela organização sem fins lucrativos Focus Gabes, com financiamento de doadores privados.

“Queríamos uma maneira de alcançar o maior número possível de espectadores, num curto espaço de tempo e com um orçamento limitado, oferecendo-lhes ao mesmo tempo uma experiência cinematográfica autêntica”, disse à AFP Ghofrane Heraghi, a diretora do projeto.

Os cinemas ambulantes já existem há muito tempo noutros países, mas Heraghi disse que o CinemaTdour era “único” por transformar um camião num cinema completamente equipado.

Sem financiamento governamental, o CinemaTdour depende fortemente de parcerias com empresas privadas para cobrir custos como direitos de filmes, manutenção e funcionários.

O camião em si foi comprado a crédito por cerca de um milhão de dinares tunisinos (303 mil euros, à cotação do dia), disse Heraghi, com despesas operacionais anuais de cerca de 500 mil dinares (quase 151,7 mil euros).

Durante 10 dias em Djemmal, os habitantes puderam assistir a filmes gratuitamente graças a uma parceria com a fabricante alemã de peças de automóvel Draxlmaier, que tem uma instalação na cidade.

Jihene Ben Amor, gerente de comunicações da Draxlmaier na Tunísia, disse que a empresa deseja “contribuir para o desenvolvimento” das regiões remotas e carentes onde opera.

Para muitos trabalhadores, que ganham até mil dinares por mês (cerca de 301,4 euros), o custo dos bilhetes e da viagem até uma cidade principal com cinema pode ser proibitivo.

“Ter este cinema fora do local de trabalho também dá aos trabalhadores um sentimento de orgulho e de fazer parte de algo”, disse Ben Amor.

Impacto social

Ghofrane Heraghi, a diretora do CinemaTdour

Depois de Djemmal, o CinemaTdour instalou-se em Hay Hlel, um bairro empobrecido da capital Tunes.

Muitas crianças juntaram-se à volta do cinema, ansiosas pela sua vez.

Yomna Warhani, de 11 anos, estava radiante de entusiasmo, antecipando a sua primeira sessão de cinema de sempre.

“Mal posso esperar para ver como é por dentro e quais os filmes que vão mostrar”, disse.

Nejiba El Hadji, de 47 anos, mãe de quatro filhos, disse: “Acreditem, não são apenas as crianças que estão emocionadas”.

Para ela, o cinema ambulante era uma rara fonte de alegria num ambiente desolador.

“Não temos nada aqui, nem centros culturais nem entretenimento, apenas ruas”, disse Hadji.

"As pessoas dizem que os nossos filhos estão perdidos, mas ninguém faz nada a esse respeito."

A estadia de duas semanas do CinemaTdour em Hay Hlel foi financiada pela Organização Mundial da Saúde, com exibições temáticas sobre saúde mental, tabagismo e abuso de drogas e violência contra as mulheres.

As sessões foram adaptados para o público mais jovem, bem como para espectadores com deficiência auditiva ou visual.

A gerir o projeto, Heraghi diz que “o que nos move é o impacto social da cultura”.

“Queremos quebrar estereótipos, mudar mentalidades e promover valores como a coesão social e o espírito comunitário”.

Em apenas alguns meses, o CinemaTdour alcançou mais de 15 mil pessoas, incluindo 7.500 na cidade oásis do sul de Nefta, onde um mês de exibições gratuitas foi patrocinado por um exportador de tâmaras.

O projeto espera agora garantir financiamento para camiões adicionais para expandir as suas atividades em todo o país.

Mas Heraghli diz que tem aspirações ainda maiores, "para levá-lo à Argélia, Líbia e talvez até por toda a África”.