"Podia ter Esperado por Agosto", que chega esta quinta-feira, dia 18 de julho, aos cinemas, marca a estreia de César Mourão como realizador. Na sua primeira longa-metragem, o humorista e ator assina também o argumento e assume o papel principal ao lado de Júlia Palha e Kevin Dias ("Emily In Paris"). Manuel Cavaco, Luísa Cruz, João Reis, Carla Vasconcelos, Pedro Lacerda, António Fonseca, Dinarte Branco, Vera Moura e Marco Paiva completam o elenco.

Ao leme do filme, César Mourão rodeou-se de uma grande equipa. "Costumo dizer que realizar é quase como ser selecionador nacional. Basta rodear-nos de uma grande equipa, eles depois sabem o que têm que fazer. E foi bocadinho isso que aconteceu. Tive muita sorte na equipa que trabalhou comigo - não só na equipa da rodagem, mas também na equipa de pós-produção. Ter a sorte de ter o Marcos Castiel ('Glória' e 'Rabo de Peixe') como editor deste filme é absolutamente fantástico, e entre outras pessoas, obviamente. Portanto, houve uma grande preocupação minha, não só no casting. Às vezes temos uma grande preocupação no casting, mas depois descuramos a parte técnica ou vice versa", destaca o realizador em conversa com o SAPO Mag.

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A falta de orçamento, diz César Mourão em tom de brincadeira, também o obrigou a assumir várias funções: "Costumo dizer que eu fiz isso tudo por falta de orçamento. Estou a brincar e, ao mesmo tempo, não estou. Quando tive a ideia, não era para ser eu a escrever o filme, não tinha cabeça para escrever porque tinha muita coisa para fazer. A seguir fomos ver qual seria o valor para ter mais uma pessoa a escrever o filme e chegámos à conclusão que, se calhar, não tínhamos orçamento para isso", revela.

"Depois, não queria interpretar. A SIC e a NOS vieram-me pedir: 'ah, mas isso tinha que ser contigo, tu é que tens que ser o protagonista'. E os meus colegas da produtora igual. E eu: 'está bem, ok, então eu vou protagonizar'. Então, e realizador? Mas ter um realizador... sobe orçamento. Não queres realizar?'. 'Está bem, eu realizo'. Já tinha realizado a série 'Futre - O Primeiro Português' e a 'Volto Já'. E pensei: 'olha, é um bom início para realizar uma longa-metragem, para me aventurar'. Mas realizei-a com a equipa e com o rigor do que pede uma sala de cinema. Ou seja, realizar para cinema não é igual a realizar para televisão. E às vezes, o orçamento impede-nos de fazer tão bem cinema. E nós tentamos, dentro do nosso orçamento, ter planos cinematográficos, ter fotografia cinematográfica, ter cinema", sublinha César Mourão.

A primeira ideia nem sempre é a melhor

Podia Ter Esperado por Agosto
Podia Ter Esperado por Agosto

O filme parte da premissa de que as primeiras ideias nem sempre são as melhores. E a primeira ideia de César Mourão para o filme surgiu enquanto via outro filme, "Os Espíritos de Inisherin", de Martin McDonagh com Colin Farrell, Brendan Gleeson e Kerry Condon.

"Estava a ver 'Os Espíritos de Inisheri', no cinema, que é um drama com uma premissa muito simples: é só uma pessoa que não quer ser mais amiga de outra. E de repente, só na premissa, eu penso: 'pá, isto já tem humor'. O filme é só isto: é uma pessoa que não quer ser mais amiga de outra pessoa. E depois torna-se também numa comédia, uma comédia trágica, mas uma comédia, na minha visão. E nessa altura eu penso: 'não há filmes de humor - ou pelo menos que eu me lembre, em Portugal - debaixo de chuva e no inverno, no tom cinza. É quase sempre tudo no verão, desde as cores à fotografia mais estourada, mais aberta. E aí surgiu uma vontade de fazer uma comédia que se passasse no inverno e no cinza", conta.

Podia Ter Esperado por Agosto
Podia Ter Esperado por Agosto

"E daí esta ideia depois de filmá-la numa aldeia, no inverno, sabendo que, obviamente, não é à-toa que, pelo menos em Portugal, é preferível filmar no verão, porque temos muito mais horas de luz, porque temos menos intempéries e problemas com o tempo, mas era assumido entre nós que queríamos comprar essa guerra e comprámos-la", frisa o realizador, argumentista e ator.

"Podia ter Esperado por Agosto" decorre numa aldeia remota do interior do país e acompanha um homem apaixonado (César Mourão) e o seu melhor amigo (Kevin Dias). Juntos, a dupla engendra um plano, "sem pés nem cabeça", para atrair de Lisboa a mulher amada (Júlia Palha). "Contra todas as expectativas, o plano resulta e aí começam os verdadeiros problemas, originando uma comédia romântica rocambolesca onde dois mundos se chocam", pode ler-se na sinopse.

Mas a história de Xavier e Julião, dois amigos acólitos da pequena aldeia minhota, não foi a primeira ideia de César Mourão para o filme: "Não foi logo a primeira ideia. Nós temos em carteira para aí umas quatro ou cinco ideias para uma comédia romântica. E esta foi talvez a que nos inspirou, ou que, neste caso, a mim, mais me inspirou para começar logo a escrever. Eu começo a escrever sozinho, e só depois, mais tarde, é que eu chamo o Pedro Goulão para me ajudar. Mas a ideia surge depois de quatro ou cinco ideias. Mas sei lá, de repente ocorreu-me logo o casting, ocorreu-me logo a aldeia onde seria, e isso tornou a ideia mais viável, mais vencedora".

A viagens de norte a sul do país com o programa "Terra Nossa", da SIC, ajudaram César Mourão a escolher os cenários para a longa-metragem. "O programa ajudou a encontrar a aldeia, o Soajo. Fiz lá um programa, em Arcos de Valdevez, e fui fazer uma parte do programa ao Soajo e descobri aquela aldeia magnífica, que parecia uma cidade cenográfica", recorda. "Mexemos com a economia daquela aldeia - fomos todos viver para lá, vivemos mesmo na aldeia, alugamos as casas, não foi hotel, e vivíamos lá como eles. E o programa deu-me isso, mas não me deu a construção das personagens e a indocicrasia de cada personagem, isso não me deu", acrescenta.

PODIA TER ESPERADO POR AGOSTO
PODIA TER ESPERADO POR AGOSTO

Ao SAPO Mag, César Mourão conta que criou as personagens depois de pensar no elenco para o filme. "Primeiro nas pessoas que queria para fazer o filme e depois escrevi para elas, correndo o risco de elas não aceitarem fazer o filme. Mas, por exemplo, o personagem do Dinarte Branco foi muito escrito para ele, enquanto o tipo da funerária. A mesma coisa para o Pedro Lacerda, para a Luísa Cruz, para o Manuel Cavaco ou para a Júlia Palha... foi muito a pensar neles", explica o realizador.

"É um filme de comédia, sem ser preciso gargalhar"

"Mas o maior desafio nem foi a criação das personagens", confessa César Mourão, explicando que quis manter os chichés de uma comédia romântica. "Se já viram algumas coisas minhas, sabem que o meu humor não é muito de punchline, já não era assim na série 'Esperança'. É humor da sua premissa, no seu todo. É um humor em que não precisamos de gargalhar, mas que no fim achamos que é um filme de comédia, sem ser preciso gargalhar. Não tenho esse humor de punchline e, por isso, o meu humor é do quotidiano, de situação. E neste filme foi muito mais tapar os buracos que se abriam numa comédia de enganos, como é o caso. Era muito fácil, à dada altura, fugirmos ao que é cliché e ao que é natural numa comédia romântica ou numa comédia de enganos. Era fácil fugir a isso e querer  ser disruptivo, e querer ser diferente", defende.

Podia Ter Esperado por Agosto
Podia Ter Esperado por Agosto

Juntamente com Pedro Goulão, o humorista e ator assumiu que o filme seria "uma comédia romântica com os seus clichés". "Não quisemos inovar absolutamente nada. Está tudo inventado, está tudo escrito, e a nossa preocupação foi manter o que é assumido e o que resulta - muitas vezes na fuga do que resulta, afundamos porque quisemos inovar tanto que, afinal, já não é nem comédia, nem romântica, nem coisa nenhuma. E as pessoas não entendem", conta.

"Quisemos ir para o natural e o normal. E acho que conseguimos, com toda a modéstia. Portanto, o desafio maior foi, respeitando isso, como é que vamos tapando aqui os buracos? Ou seja, ele sabe que o filho está no hospital, alguém tinha de fazer desaparecer o telemóvel, mas depois havia uma agenda - a minha avó tinha isso, escrevia os números de telefone numa agenda porque não sabia pôr no telemóvel. Portanto, achamos que isto era uma coisa que acontece... muitos dos velhotes têm os números de telefone numa agenda. Tínhamos que fazer desaparecer com a agenda. No meio disso tudo, era quase um policial, porque nós dissemos: 'está bem, mas se mandarmos a agenda fora, eles têm que encontrar a agenda. Se calhar vão encontrar a agenda, mas quando encontrar a agenda, em vez de se ir para as impressões digitais e tudo, temos que lhe dizer a verdade'. Portanto, andamos a fugir para ter o menos possível de pontas soltas. Isso foi o maior desafio", exemplifica.

"Não acredito que vá ter sempre graça"

"Podia ter Esperado por Agosto" marca a estreia de César Mourão como realizador e, ao SAPO Mag, o ator confessa que "gostava de repetir a experiência". "É uma coisa que eu que eu sempre gostei muito, mesmo quando o meu desempenho é só como ator, como foi em 99% das vezes até agora. Sempre tive gosto de perceber qual objetiva que estavam a usar, qual plano é que estávamos a fazer. Sempre tive vontade de querer perceber mais (...) Um bocadinho como aqueles jogadores que acabam por ser treinadores, é bocado isso. E, portanto, foi uma coisa natural e uma coisa que gostava de repetir, mas isso está na mão do público, obviamente", conta.

Podia Ter Esperado por Agosto
Podia Ter Esperado por Agosto

A experiência como ator também ajudou o humorista na sua estreia no papel de realizador. "As pessoas associam-me muito ao improviso, mas sou o oposto, estou nos antípodas disso quando estou num set de filmagem. Eu digo o texto à risca, à vírgula. Gosto de ter preocupação com as marcações, sou obcecado por marcações, por repetir igual. Para mim é um desafio, é quase como jogo. Tenho essa competitividade de brincar com as anotadoras dos outros filmes... Isso, para mim, fascina-me. E depois acho uma pressão gigantesca em estar sempre à frente da câmara", confessa.

"Eu gosto de, por vezes, ter a calma de não estar à frente da câmera. Obviamente que dá mais trabalho, porque se eu fosse só ator, possivelmente não estávamos a ter esta entrevista, ou não tinha que estar na edição, ou não tinha que estar na escolha das músicas e por aí. Portanto, dá muito mais trabalho, mas por outro lado, tem mais responsabilidade, mas menos pressão, não sei te explicar bem. Portanto, sinto-me muito fascinado por estar atrás das câmaras. E depois é uma preparação natural porque não acredito que vá ter sempre graça. Não acredito que o humor não se renove e as pessoas não comecem a gostar de outro tipo de humor. E depois, por mais que eu me renove - na minha cabeça estou a renovar -, mas na verdade, se calhar não é bem assim. É uma percepção que eu tenho. Portanto, é uma coisa natural passar para trás das câmara", remata César Mourão ao SAPO Mag.