"Bohemian Rhapsody" é um dos filmes musicais que obteve maior sucesso nas bilheteiras de cinema, mas afinal deu prejuízo.

Quem não se conforma é Anthony McCarten, que escreveu o argumento e avançou com um processo em tribunal contra o produtor Graham King e a sua produtora GK Films esta quarta-feira, alegando violação de contrato, violação de acordo implícito de boa fé e negociação justa, exigindo que se abram os livros de contabilidade do filme.

Anthony McCarten faz parte da elite de Hollywood para os 'biopics', vencedores ou nomeados para os Óscares: escreveu "A Teoria de Tudo" (sobre Stephen Hawking), "A Hora Mais Negra" (sobre Winston Churchill na Segunda Guerra Mundial), "Os Dois Papas" (sobre a relação entre Bento XVI e Francisco) e está agora a trabalhar num projeto sobre Whitney Houston.

Os detalhes do processo "Bohemian Rhapsody" revelam os fascinantes bastidores da contabilidade criativa em Hollywood e o que pode acontecer quando alguém aceita ser compensado pelo sucesso de um filme com uma percentagem de "receitas líquidas" ou "net points".

O 'biopic' sobre Freddie Mercury e os Queen, vencedor de quatro Óscares (incluindo o de Melhor Ator para Rami Malek) custou 55 milhões de dólares e arrecadou 911 nas bilheteiras. Mas a contabilidade da distribuidora, o estúdio 20th Century Fox, vendido à Disney, regista um prejuízo de 51 milhões.

No contrato de Anthony McCarten estava uma compensação de um "valor igual a 5% de 100% das 'Receitas Líquidas'" acordada com Graham King da parte a que teria direito a GK Films, que se estipulava que deveriam ser "calculadas, determinadas e pagáveis de acordo com a definição padrão da Empresa em relação ao Filme (sujeito a uma negociação de boa fé)".

Resultado: o argumentista não viu até agora nem um dólar da sua compensação pelo sucesso comercial do filme porque, segundo o processo, as declarações a descartar qualquer pagamento "parecem ser baseadas na definição de 'receitas líquidas' da Fox em vez da definição padrão 'receitas líquidas' da GK Films".

Mas o processo também sustenta que a GK Films nunca teve uma definição padrão de 'receitas líquidas' e não tinha "qualquer intenção de desenvolver tal definição, porque não tinha a intenção” de calcular o que era devido a Anthony McCarten.

O processo só tem como alvo Graham King e a GK Films porque Anthony McCarten sustenta que foi tudo tratado diretamente com o produtor, que acabou posteriormente por transferir todos os contratos para a Fox e depois a Disney.

Em teoria, existem dois tipos de compensação para as partes com mais poder numa produção, baseados em "gross points" [pontos brutos] e "net points" [pontos líquidos].

No primeiro caso, está a negociar-se uma percentagem das receitas em bruto de bilheteiras: cada dólar é dividido entre os cinemas, distribuidor, produtores e por aí adiante.

Já os "net points" resultam de uma "definição de lucro" que pode variar de um contrato para outro, mesmo dentro do mesmo projeto. Em regra, definem uma hierarquia de despesas a serem reembolsadas antes de alguém começar a receber "net points", nomeadamente o orçamento do filme, custo das cópias, publicidade e distribuição (incluindo os juros), além de tudo o que possa ser encaixado no célebre item "despesas gerais". Por causa disto, muitos filmes que conseguem amortizar o seu orçamento nas bilheteiras nunca alcançam ou vão alcançar um ponto de equilíbrio na sua "definição de lucro" para começar a pagar os "net points".

Sobre esta prática, ficou célebre a frase de Arnold Schwarzenegger antes de apresentar imagens de "Titanic" na cerimónia dos Óscares de 1998: "Alguns dizem que as suas receitas de bilheteira vão crescer tanto que até podem realmente mostrar lucros que nenhum contabilista consegue esconder - e deixem-me recordar-vos que isso é doloroso para os executivos dos estúdios".

Num processo que colocou contra o estúdio Paramount por este alegar que "Um Príncipe em Nova Iorque" (1988) continuava deficitário apesar das receitas de 350 milhões de dólares nas bilheteiras, Eddie Murphy cunhou uma expressão alternativa que ficou célebre, "monkey points": está-se a negociar receitas que não existem porque a contabilidade da indústria cinematográfica nunca mostra lucros líquidos.

Será nos tribunais que se verá se Anthony McCarten encontra outra definição para os "net points" de "Bohemian Rhapsody".

Tudo o que se passa à frente e atrás das câmaras!

Receba o melhor do SAPO Mag, semanalmente, no seu email.

Os temas quentes do cinema, da TV e da música!

Ative as notificações do SAPO Mag.

O que está a dar na TV, no cinema e na música!

Siga o SAPO nas redes sociais. Use a #SAPOmag nas suas publicações.