O filme português
«As Linhas de Wellington», sobre a terceira invasão dos franceses a Portugal, está na competição oficial do Festival de Cinema de Veneza.
Paulo Branco, o produtor, sublinhou hoje à imprensa que o reconhecimento é ««extremamente importante para a cinematografia portuguesa, porque as presenças [nacionais] em grandes festivais internacionais em competição são raras, tirando a excepção de dois ou três grandes realizadores, como Manoel de Oliveira, João César Monteiro e pouco mais».

Aliás o filme «O Gebo e a Sombra», de Manoel de Oliveira, também terá estreia em Veneza mas fora de competição, o que motivou Branco, que produziu vários filmes do decano dos cineastas, a afirmar que «queria mandar um grande abraço ao Manoel, que foi lá nove vezes comigo e, felizmente, continua a ir lá sem mim. E espero encontrá-lo lá».

«As Linhas de Wellington», que chegou a ter o entretanto falecido Raúl Ruiz como realizador, foi assinado por Valeria Sarmiento, viúva do cineasta chileno, e é protagonizado por um elenco vasto, que conta com nomes como Soraia Chaves, Nuno Lopes, Albano Jerónimo, Joana de Verona, Afonso Pimentel e Marcello Urghege, além de figuras internacionais como John Malkovich, Catherine Deneuve, Isabelle Huppert ou Marisa Paredes.

A película, que envolve uma extensa reconstituição de época, é de um fulgor invulgar no panorama do cinema português, com o produtor a sublinhar que «talvez só o «Non ou a Vã Glória de Mandar» tenha sido tão exigente como este em termos de produção». «As Linhas de Wellington» tem um orçamento de quatro milhões e meio de euros, sendo o financiamento maioritariamente internacional, com um milhão e 200 mil euros de origem portuguesa.

O pano de fundo é histórico: Entre 1810 e 1811, o marechal francês Massena foi derrotado em Portugal pelo general Arthur Wellesley, duque de Wellington, que liderou um exército anglo-português e utilizou uma estratégia vitoriosa com base numa linha de fortificações que protegia Lisboa - as Linhas de Torres Vedras.

Segundo o produtor, «o projeto nasceu de uma conversa e um interesse da Câmara Municipal de Torres Vedras em comemorar o bicentenário da Linhas de Torres, através de um possível projecto audiovisual ou cinematográfico, que pudesse ser um documentário ou uma ficção. A partir daí, devido à riqueza histórica desse período na história portuguesa e na história europeia, e até a algum desconhecimento dessa história em termos nacionais, eu aceitei o desafio e pedi ao Carlos Saboga para escrever um guião».

O que Saboga entregou a Paulo Branco foi, segundo o próprio, «um dos melhores argumentos que li em toda a minha vida de produtor, e foi lido por vários realizadores internacionais que tiveram exatamente a mesma opinião que eu. O projecto, a partir daí, com um argumento desses, tornou-se mais fácil ser uma realidade».

Claro que ajudou muito o êxito internacional de «Mistérios de Lisboa», também produzido por Branco, e a presença do seu realizador, Raúl Ruiz, entretanto falecido: «por causa desse filme os financiamentos internacionais tornaram-se mais fáceis, porque lá fora acreditaram na qualidade que podíamos trazer a qualquer projeto filmado em Portugal, na qualidade dos nossos atores e das nossas equipas». A escolha de Valeria Sarmiento para o substituir não foi imediata: «havia várias hipóteses em cima da mesa mas eu achei que a pessoa que mais diretamente conhecia o projeto era ela. Eu já tinha produzido três filmes com a Valeria Sarmiento, era alguém que eu conhecia profundamente, e senti que a melhor escolha seria ela».

O facto de aquele período histórico não ser particularmente conhecido, nacional e internacionalmente, também entusiasmou os atores: Soraia Chaves sublinhou que «é uma parte da história de que nós não ouvimos falar muito na escola, parece-me que não é um episódio da história de que queiramos muito falar. Eu descobri as calamidades que se fizeram e que foram de certa forma escondidas. O projeto é fascinante também por isso, porque nos permite entrar em contacto com uma realidade que não nos estava próxima».

Um aspeto particularmente relevante é o facto de o filme ter sido acolhido pelo Ministério da Educação e, segundo a atriz Joana de Verona, «passar a ser matéria de estudo programático nas escolas, o que nos deixa orgulhosos de poder participar num projecto que é tão pedagógico».

Para Albano Jerónimo, na rodagem, «o mais difícil foram as condições climatéricas, porque foi muito, muito difícil, estava mesmo muito frio. Mas isso infuenciou também positivamente o resultado final, porque deu ao filme uma ambiência muito própria, porque o frio tornava presente um lado muito mais físico».

«As Linhas de Wellington» estreia em Portugal a 4 de outubro, e em França a 21 de novembro, em mais de 30 cidades. Haverá também uma série de televisão de três episódios intitulada «As Linhas de Torres», com os próprios atores portugueses a dobrarem as respetivas personagens em francês para exibição na televisão do hexágono.