O filme "A ilha dos cães", rodado parcialmente em Angola, deverá ser exibido em várias províncias do país, depois da ante-estreia em Luanda, apesar de as duas distribuidoras nacionais o terem recusado.

A informação foi transmitida pelo realizador português Jorge António, em entrevista à Lusa após a apresentação do filme, na quarta-feira, na abertura do primeiro Ciclo de Cinema Messu, em Luanda, e apesar de a estreia em Portugal ter acontecido já a 20 de abril.

"Eu acho que houve um grande mal-entendido. A decisão de não exibir o filme nas distribuidoras nacionais, que são duas, foi tomada com base na leitura da sinopse e de um trailer de dois minutos, o que torna a situação mais ridícula", lamentou o realizador.

Jorge António não esconde a incompreensão com este processo, até porque em Portugal a estreia do filme aconteceu através da NOS, que detém 30% da ZAP Cinemas em Angola, uma das duas distribuidoras nacionais que o recusou.

"Eu penso que foi uma posição política, porque o que os relatórios dizem é que achavam que o público não tinha a maturidade suficiente para ver um filme como este, no momento atual, na conjuntura atual de Angola. É tudo muito estranho", afirmou.

O filme, que inclui uma das últimas interpretações do ator Nicolau Breyner e que em Portugal foi visto em três semanas por 10.000 espetadores, é uma adaptação do romance "Os senhores do areal", do escritor e nacionalista angolano Henrique Abranches, uma ficção passada em São Tomé e Príncipe e Angola, ancorada em diferentes períodos históricos, abordando a escravatura e a descolonização.

Foi rodado parcialmente em Luanda e no Namibe, com atores angolanos, mas em Angola nenhuma empresa de distribuição nacional se mostrou disponível para avançar com a exibição do filme, que refere na sua sinopse retratar o país no período colonial e na atualidade, em salas de cinema da rede comercial.

"Estamos a falar de épocas históricas. Acho que tinham de ver o filme até ao fim para perceberem que é exatamente o contrário do que eles imaginaram. Mas eu acho que na censura, nos filmes, na arte, funciona assim. Ou seja, é sempre pior quem imagina o que não está lá. Acho que foi este o caso, acho que se assustaram com coisas que não estão lá", criticou o realizador.

Depois da ante-estreia na abertura do primeiro Ciclo de Cinema Messu, intitulado "Independência e os filhos da Independência", no auditório do Banco Económico, em Luanda, Jorge António referiu que já há um distribuidor com salas em províncias como Namibe, Benguela, Huambo e Huíla, e com disponibilidade para alugar um cinema em Luanda, para assim projetar o filme.

"Vamos fazer outras sessões noutras salas e noutras províncias, o que eu acho que vai ser até muito mais interessante do que se o filme estivesse em sala, comercialmente", disse o realizador, após uma ante-estreia com sala, improvisada, praticamente cheia e com a polémica recusa das distribuidoras nacionais em pano de fundo.

"Foi uma decisão comercial, o filme não está proibido pelo Estado. Vamos apresentar o filme nas condições que forem possíveis, porque o mais importante é mostrar o filme", atirou.

Esta ante-estreia representou também a oportunidade de pela primeira vez os atores angolanos assistirem à versão final, como foi o caso de Miguel Hurst, que lamentou que o filme não tivesse chegado ao circuito comercial.

"Acho que são desculpas esfarrapadas, sejam honestos e mostrem as nossas obras. Há gente a trabalha neste país, a fazer coisas muito boas, e é uma pena que o país não o mostre", lamentou o ator angolano.

Além da ante-estreia - e outra exibição em agosto - da longa-metragem "A Ilha dos Cães", o Ciclo de Cinema Messu vai ainda apresentar filmes históricos de Sarah Maldoror e António Ole, sessões com filmes de autores representantes do cinema angolano como Orlando Fortunato, Mariano Bartolomeu, Ruy Duarte, Ademir Ferreira, Maria João Ganga e de jovens promissores no panorama nacional.

Trailer.