Como reza a história, os seis Monty Python – Graham Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin – decidiram avançar com este projeto depois do sucesso de “O Cálice Sagrado” (1975). A ideia terá surgido entre copos, em Amesterdão, e foi sendo polida até chegar ao enredo como o conhecemos: o judeu Brian Cohen (Graham Chapman) tem o infortúnio de nascer no estábulo ao lado daquele onde Jesus Cristo vem ao mundo e, durante a sua vida, vai sendo confundido com o Messias. Ao descobrir que, afinal, é filho de um romano, rebela-se e trata de juntar-se a um dos grupos que buscam a abolição do Império, empreitada que o leva, ironicamente, a acabar pregado numa cruz. Terry Jones realizou, Chapman desempenhou o papel principal e os membros dos Monty Python foram rodando entre si os papéis dos diferentes quadros do filme, como se fossem sketches de um especial de comédia.
Percebe-se que uma tal narrativa fosse coisa para incomodar imediatamente as mentes mais devotas do catolicismo. Estava-se em 1979 e o Reino Unido tinha acabado de assistir a um processo onde uma acusação de blasfémia tinha acabado em condenação. Os Monty Python decidiram então estrear o filme nos EUA, autoproclamada terra da liberdade, onde, convenientemente, não existiam leis religiosas sobre blasfémia. Mas nem aí o grupo britânico se livrou de críticas fervorosas de vários quadrantes e, para sua surpresa, os Monty Python conseguiram ofender não apenas os cristão católicos mas outros grupos religiosos.
Na sua terra natal, a contestação atingiu proporções inimagináveis. Entre manifestações nas ruas e tentativas de proibição de transmissão do filme, “A Vida de Brian” tornou-se um acontecimento político e social.
A verdade é que se tratava de uma crítica, sim, mas criticava-se a irracionalidade das manifestações religiosas, em que o comportamento de grupo levava a que as pessoas abdicassem da sua racionalidade e passassem a adoptar crenças com bases absolutamente disparatadas. (A dada altura, os seguidores de Brian assumem como um sinal divino o facto de o suposto Messias perder uma sandália durante a sua fuga.)
Porque o humor dos Monty Python é muito analítico, criticava-se os atos e as palavras que resvalavam para o terreno do insano, como na cena em que um vendedor de barbas falsas (Eric Idle) se recusa a aceitar o pagamento sem que Brian regateasse o preço. Ou como a brilhante cena em que Brian escreve palavras de ordem contra os romanos e é apanhado, mas o centurião (John Cleese) corrige-lhe o latim cheio de erros em vez de aplicar pesados castigos, qual professor a ensinar um mau aluno.
Mais do que a sinopse breve podia sugerir (se o filme fosse descrito, de forma simplista, como uma sátira religiosa), “A Vida de Brian” dedicou-se a paparodiar os pequenos momentos cómicos da vida. E consegue apontar o ridículo em cenas como aquelas em que Pôncio Pilatos (Michael Palin) e o seu amigo, Biggus Dickus (Graham Chapman), vêem a sua autoridade reduzida perante o público, por causa de caricatas dificuldades na fala. A religião não é o único alvo dessa caça ao ridículo e, na mira dos Monty Python, estão também as grandes produções cinematográficas, como parece ser o caso no momento insólito em que Brian é raptado por uma nave extraterrestre.
Se há coisa que os textos bíblicos ensinam, é que o fruto proibido é o mais apetecido. E assim foi com as primeiras contestações a acrescentarem curiosidade a “A Vida de Brian” – estava previsto que o filme estreasse em 200 salas americanas, mas o número cresceu para cerca de 600. Na Europa, “A Vida de Brian” foi banido de países como a Irlanda e a Noruega. (E que belo sentido de humor, e de oportunidade, tiveram os cinemas suecos, que publicitaram o filme como sendo “tão divertido, que foi banido na Noruega”.)
Sim, os seis Monty Python atiraram-se a um tema sensível, porque se sentiram desafiados pelo nível de irracionalidade da passividade com que a religião que conheciam (ou muitas outras) é aceite. Perante as críticas, souberam defender a sua obra pela via racional. No documentário “A Vida Secreta de Brian”, os atores comentam (sem nunca dizer, mas a apontar como ridículo) o facto de muita contestação ter surgido de pessoas quem nem tinham visto o filme! E, em alguns casos, a contestação foi alimentada por quem se limitou a aceder aos lóbis religiosos (como o do movimento Festival of Light, no Reino Unido). A EMI Films, que ia produzir “A Vida de Brian”, cancelou o financiamento do filme dois dias antes de a equipa partir para a Tunísia (onde decorreram as filmagens), porque tinha acabado de ler o guião. Coube a George Harrison, fã dos Monty Python, entrar com o dinheiro para levar o projeto em frente e há mesmo uma breve aparição deste Beatle no filme.
Mexer com a religião é sensível porque se entra no domínio do irracional? Por cá, Herman José sentiu o mesmo, à escala nacional, com o seu sketch “A Última Ceia”, em 1996. O tema é, de resto, um dos favoritos da comédia, e o grupo brasileiro Porta dos Fundos pegou, recentemente, naquele mesmo quadro que Herman José parodiou.
Numa era em que estamos hipersensíveis em relação a tudo, numa altura em que qualquer vírgula inflama ódios, é bom lembrar uma lição simples: "Always look on the bright side of life". Olhar sempre para o lado positivo da vida, com ensina o momento musical do fim do filme, com 140 criminosos crucificados a cantar alegremente.
Não há muitas comédias na lista de 30 antes dos 30 (será um género menor para os amantes da sétima arte?), mas estão lá estes dois filmes dos Monty Python (“O Cálice Sagrado” e “A Vida de Brian”). E acabar este ano a rir, não parece nada má opção.
Comentários