"Diria que o maior ajuste foi filmar durante a pandemia", conta Myha'la Herrold ao SAPO Mag numa entrevista virtual por Zoom, a propósito da segunda temporada de "Industry".
O impacto da COVID-19 nas gravações dos oito novos episódios, que chegam à HBO Max dois anos depois da estreia da série na plataforma de streaming, está longe de ser caso único no panorama televisivo (e artístico) atual. Mas ao contrário do que aconteceu com outros regressos do pequeno ecrã, a equipa criativa optou por integrar o confinamento na narrativa da série em vez de o ignorar, sem o vincar em demasia, fazendo da limitação uma força.
"Temos muita sorte por esta série abraçar a realidade", assinala a atriz afro-americana que encarna a protagonista, Harper Stern, nova-iorquina a iniciar um percurso no mundo da alta finança em Londres. "Da mesma forma que estivemos afastados estes dois anos, as nossas personagens também cresceram e aprenderam durante a pandemia. Enquanto pessoas, regressam com uma bagagem desse tempo em que estiveram ausentes. Agora têm uma maturidade e confiança que não me parece que tivessem na primeira temporada", avança.
"Tentámos pensar no que mudou nesse período e em como isso as afetou", complementa Marisa Abela, que interpreta Yasmin Kara-Hanani, jovem britânica de ascendência árabe e oriunda de uma família abastada. "Não tivemos de fingir que este era o dia seguinte depois do final da primeira temporada", refere.
Novas aquisições, relações e tensões
A pandemia não é, no entanto, o único elemento que marca um contraste no regresso da série. Agora as jovens banqueiras já não são propriamente novatas do banco internacional Pierpoint & Co, vão ter de impulsionar novos negócios e criar novas alianças dentro e fora do escritório e também terão de lidar - muitas vezes de forma competitiva - com as novas caras que entram em cena na segunda temporada.
Entre as aquisições do elenco contam-se Alex Alomar Akpobome ("Twenties") como Danny Van Deventer, um diretor executivo prodígio do escritório de Nova Iorque; Indy Lewis ("La Fortuna") como Venetia Berens, a nova recruta de Yasmin na área de vendas e taxas de câmbio; Adam Levy ("The Witcher") como o pai playboy de Yasmin, Charles Hanani; ou Jay Duplass ("The Chair"), o gerente de fundos Jesse Bloom. Algumas destas figuras, além de trazerem novos arcos narrativos com elas, vão ser decisivas para alargar o olhar sobre as personagens que transitaram da primeira temporada - e todo o elenco principal está de volta.
"Para mim, muitos aspetos da natureza das relações foram construídos e compreendidos na segunda temporada. No início, estávamos tão focados em criar um mundo que só tivemos algumas linhas gerais de alguns relacionamentos, o suficiente para entendermos quem eram aquelas pessoas. E desta vez percebemos em que é que tudo isso se traduz. Boa parte disso também foi uma descoberta para mim, à medida que recebi os guiões e que gravámos; o que foi bom, foi um desafio", confessa
Myha'la Herrold.
Se Harper tem na relação com o irmão um dos elementos-chave da nova fase, Yasmin revela outras facetas através de um contacto mais próximo com o pai. E a realidade e a ficção não andam assim tão distantes na questão familiar da atriz e da personagem, explica Marisa Abela. "O meu pai e a minha mãe são de culturas completamente diferentes. O meu pai é maltês-árabe e a minha mãe é descendente de refugiados polacos judeus. E como veremos nesta temporada, o pai da Yasmin tem uma ascendência semelhante à minha mãe e a mãe da Yasmin tem origens semelhantes às do meu pai. E tal como os pais dela, os meus também estão separados", compara.
"Consigo relacionar-me com ela no sentido em que essas culturas podem ser muito divisivas, têm origens e tradições muito distintas, e às vezes sinto que estou a ser puxada para caminhos opostos. Mas como a Yasmin cresceu em Inglaterra e estudou num colégio interno em Londres, está muito ligada a raízes inglesas até que os pais tentam afastá-la delas", realça.
Juntas novamente (?)
Outra dinâmica que guia a segunda temporada já vem da primeira, e é a da própria relação entre as personagens das duas atrizes. Harper e Yasmin começaram como colegas, tornaram-se cúmplices, amigas e chegaram a partilhar a casa. Mas a amizade não pareceu ter sobrevivido aos entraves laborais.
"Depois de terem evitado momentos de tensão na primeira temporada, agora são brutalmente honestas uma com a outra quando se encontram. Julgo que, fechado esse círculo, têm potencial para desenvolver uma relação saudável", defende Kara-Hanani.
"Na primeira temporada, penso que ambas tentaram perceber se conseguiriam ser genuinamente boas amigas. E ao chegarmos à segunda temporada, têm uma relação de amor-ódio, são duas pessoas completamente diferentes que nunca seriam amigas fora do mundo laboral. Mas aqora têm toda essa experiência partilhada e tentam unir-se para lidar com uma hierarquia masculina e hostil", diz Herrold.
A atriz sublinha que o retrato complexo de Harper e de Yasmin é dos elementos que mais a entusiasma em "Industry". "Esta é a única série ou história em geral em que podemos encontrar a visão de uma jovem mulher no mundo financeiro. Não conheço mais nada assim. Temos muita sorte por sermos duas jovens mulheres com arcos narrativos tão fortes no centro desta série. É incrível", elogia.
"O facto de trabalharem naquele contexto e de terem de ser comportar de uma determinada forma para sobreviver leva que não caiam em nenhuma das armadilhas ou arquétipos associados a muitas jovens personagens femininas", acentua.
"Enquanto mulher, tens de ser indispensável e não apenas boa"
Kara-Hanani menciona a aliança entre a evolução pessoal e profissional de Yasmin, vertentes cada vez mais indissociáveis no rumo da personagem. "A Yasmin está a descobrir o que tem mesmo de demonstrar. Fala muitas línguas, tem capacidades de socialização incríveis, e é aí que sabe que tem de apostar para se tornar indispensável. Julgo que, enquanto mulher, tens de ser indispensável e não apenas boa para progredir em qualquer área em que trabalhes. A Yasmin está a tentar perceber em que aspetos é que é indispensável", considera a atriz.
"A Marissa e eu também somos jovens mulheres numa indústria predominantemente masculina. E tanto a Harper como eu combatemos ou evitamos isso para chegarmos à mesa, qualquer que ela seja, mais do preparadas para o que possamos ter de enfrentar", garante Herrold.
"Temos de trabalhar um pouco mais para evitar situações que nos encurralam. Também temos de adotar características tradicionalmente masculinas, ser um pouco mais fortes e escolher ser menos emocionais em algumas situações para não sermos consideradas histéricas", lamenta, recordado um dos momentos mais exemplificativos dessa dinâmica e do qual se orgulha especialmente. "No final da primeira temporada, a minha personagem e a da Marissa discutem e tanto nós como a nossa equipa nos comprometemos ao máximo para evitar que fosse uma luta fútil e superficial. Porque não é assim que todas as mulheres lutam, sobretudo naquele ambiente. Gosto muito de interpretar uma mulher que não é nada como assumiríamos que seria naquele cenário. É muito refrescante, é um passo na representatividade e é importante".
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