Fruto do trabalho da cientista política luso-americana Daniela Melo, que leciona na Universidade de Boston, "The Captains’ Coup" vê a luz do dia numa edição da Verso Books e distribuição da Penguin Random House. O livro tinha sido publicado apenas em português em 1975 pela Seara Nova, com o título "Portugal depois da revolução dos capitães" e ninguém sabia onde estava o original.

Daniela Melo e o marido, o investigador Timothy Dale Walker, passaram anos em busca do manuscrito em inglês e conseguiram encontrá-lo numa caixa do Arquivo Nacional da Austrália.

"Limpámos o manuscrito, anotámos com notas históricas para o público atual e eu fiz uma introdução académica", disse à Lusa Daniela Melo. "The Captains’ Coup" vai para as livrarias a 22 de abril, a tempo das celebrações dos 51 anos da revolução, depois de existir apenas em alfarrabistas na tradução portuguesa.

"É uma história incrível, porque é um jornalista incrível que escreveu um livro fantástico sobre a revolução de Portugal, acessível a qualquer pessoa", indicou Daniela Melo.

Apesar de se encostar à esquerda, explicou a professora, "está muito bem escrito e muito bem pesquisado", acrescentou. "Com uma visão internacional sobre o que aquilo queria dizer, sobre o que se estava a passar na revolução portuguesa, porque ele já vinha com anos e anos de cobrir processos revolucionários".

Foi isso, aliás, que lhe trouxe problemas no mundo ocidental e fez com que Wilfred Burchett não encontrasse editora disponível para publicar "The Captains’ Coup" em inglês naquela altura.

O autor fazia um jornalismo de missão, considerado radical, que tomava pontos de vista contrários – foi o único ocidental a escrever sobre o conflito no Vietname do ponto de vista da guerrilha local, a partir de uma imersão na selva com os vietcongs.

Antes disso, passou anos em exílio sem acesso ao passaporte australiano depois de ser acusado de ser anti-americano e anti-ocidental. Tinha sido o primeiro a revelar os efeitos devastadores da radiação em resultado das bombas atómicas largadas sobre o Japão em 1945, numa notícia intitulada "Praga Atómica".

Quando se deu o 25 de Abril, meteu-se no primeiro avião de Paris para Lisboa e passou meses em Portugal a entrevistar pessoas, de norte a sul, incluindo Capitães de Abril, pescadores, agricultores e responsáveis de cooperativas no Alentejo.

"É um olhar único de um jornalista tão famoso e com entrevistas tão interessantes sobre a revolução portuguesa", resumiu Daniela Melo.

A professora e o marido vão fazer várias apresentações do livro em Portugal em junho, com presença marcada na Feira do Livro de Lisboa e eventos nas livrarias Ler Devagar (Lisboa), Rosebud (Porto), no British Council, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e outros.

Também já está garantida a versão portuguesa desta nova edição, que deverá sair em 2026 pela mão das Edições 70 da Almedina.

Melo considerou que este livro tem muito interesse do ponto de vista académico, porque oferece entrevistas inéditas que adicionam bastante à historiografia da revolução em si. Mas o momento de publicação é importante, considerou a cientista política. "Estamos num ponto de inflexão a nível global em que, pela primeira vez em muitas décadas, temos menos democracias do que tínhamos há 20 anos e Estados a autocratizarem-se com recuos claros, incluindo os Estados Unidos", apontou.

"A revolução portuguesa é uma boa lição de todos os ângulos, uma lição histórica", afirmou, referindo que Portugal é um caso de democratização exemplar.

"Não há revoluções perfeitas, mas há revoluções imperfeitas que chegam a democracias", salientou. "Há várias lições a tirar e uma das principais é perceber que, mesmo no momento de radicalização ideológica em 1975, os principais personagens que tinham poder e estavam a balançar poder uns contra os outros conseguiram sempre manter a cabeça fria e pôr o bem comum acima dos próprios interesses pessoais".

Isso fornece uma ligação entre o que está a acontecer agora e o que aconteceu no 25 de Abril e que é, segundo a professora, que "vale a pena lutar pela democracia".