Paulo Furtado e convidados subiram ao palco do Lux Frágil na passada quinta-feira para dar início à tour nacional de “True” perante uma plateia praticamente cheia. A noite ficou marcada pela paixão de Furtado pelo seu ofício, tanto para o bem como para o mal.
Pouco passava da hora marcada para o concerto e o espaço do Lux já se encontrava muito bem composto de curiosos e velhos seguidores, uns com cervejas, outros com gin-tónico ou qualquer outro cocktail (é o Lux, afinal de contas) na mão. Tudo para assistir ao concerto daquele que tem sido dos projectos mais bem-sucedidos da música portuguesa nos últimos anos.
Um concerto de The Legendary Tiger Man decorre ao ritmo que Paulo Furtado bem entender. Isso ficou bem pautado quando o músico, a iniciar as festividades ainda sozinho em palco, interrompeu a intimista "Do Come Home" devido ao ruído que alguns presentes estavam a fazer em conversas cruzadas. Aliás, tal ocorrência levou Furtado a proferir uma das suas muitas tiradas da noite: “Sou conhecido por duas coisas: tocar guitarra e fazer chichi na cabeça das pessoas, não me queiram ver a fazer a segunda”.
Passado o choque inicial, regressamos ao Masquerade com “Walkin’ Downtown” e o ar perfumado ao Sul dos Estados Unidos com o slide guitar a brilhar. A dualidade vocal de Furtado fica aqui bem patente entre o agudo gritado e com efeitos e o registo mais quente e natural, por vezes sussurrado, algures entre o lamuriante e o sensual. Com um dos riffs mais mauzões de “True” e solo de quem espera sorrateiramente para caçar a presa, “Wild Beast” marcou também a vinda ao palco do portentoso baterista Paulo Segadães.
Seguiu-se a rastejante “Storm Over Paradise” e Furtado volta a ficar sozinho para “Naked Blues”. Fazendo valer o epíteto de “homem-banda”, o músico tratou da percussão, guitarra e kazoo em simultâneo. Regressos ao Femina também os houve, com “And Then Comes The Pain” e “The Saddest Thing to Say”, esta última com resultados funestos, já que a voz de Lisa Kekaula não chegou a sair do P.A. “Alguém vai ser chicoteado, podem escolher o chicote” reagiu sardonicamente Furtado.
Um dos momentos mais altos da noite foi, indubitavelmente, a presença de João Cabrita. Chamado ao palco para tocar "Gone" e "Dance Craze", o saxofonista mostrou uma química incrível com Paulo Furtado. O sopro e o reverb das cordas contribuíram para aquela cacofonia da qual se faz o bom Rock e duelos entre dois virtuosos nunca são demais (destaque ainda para as “palmas” em Gone, técnica infalível para conquistar o público . Falando em virtuosos, também Filipe Oliveira, teclista nos Sean Riley & The Slowriders, emprestou a sua categoria à clássica "Green Onions", original de Booker T and the MGS.
Ainda antes do término, houve a doce “A Lifetime of Your True Love” (que Paulo Furtado admitiu estar inexplicavelmente fora de “True”), “Bad Luck Rhythm ‘N’ Blues Machine” a ritmo frenético e uma extensa cover de "She Said" de Hasil Hadkins (“tema sobre acasalar” Furtado dixit), onde houve espaço para o improviso e para experimentação com turntables. O (suposto) fim deu-se quando Filipe Costa voltou para “Twenty First Century Rock and Roll”, que não chegou para incendiar Lisboa mas meteu o Lux em alvoroço. A energia de Paulo Segadães, o brilhantismo de Filipe Costa e a entrega de Paulo Furtado (que subiu para cima das colunas) teriam selado a noite com chave de ouro. Mas imprevisibilidade pode e dever ser esperada num concerto de The Legendary Tiger Man.
Mesmo tendo dito que não havia mais nada para tocar, Paulo Furtado voltou para presentar os resistentes com "Love Ride". Teria sido um final menos assertivo mas mais intimista, o problema é que os problemas de “ruído” voltaram. Tendo avisado no início que não toleraria este tipo de comportamento, já quase no fim do tema, Furtado saltou do palco para calar quem seguia a converseta interruptamente. Já num estado de completa irascibilidade, Furtado vociferou “O problema é as pessoas terem medo de pôr os outros na ordem, seja na política seja no caralho que o foda" e apelidando quem estava a falar de “Bunch of Meninas”, trazendo à memória os amigos Dead Combo.
Foi neste tom azedo que a noite chegou ao fim, mas não chegou para limpar da memória a excelente prestação que decorreu no Lux e a dedicação que Paulo Furtado empresta às suas actuações. No melhor pano caiu a nódoa, mas foi pequenina.
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