Agora com 42 anos, Bruno Batista diz que foi “o irresponsável” pela criação da Zip, uma rádio comunitária criada há sete anos pela organização não-governamental Eco-Estilistas e feita por voluntários a partir do território antes conhecido como Chelas, na altura uma das zonas com mais problemas socioeconómicos.
Fundada por um grupo de mulheres, entre as quais a mãe de Bruno, a rádio, exclusivamente online, surgiu da constatação de que “a comunicação não era o ponto forte dos jovens” do bairro dos Lóios, em Marvila.
A opção pelo online diminuía em muito os custos de emitir por frequência e um fundo da Câmara Municipal de Lisboa deu o empurrão para o arranque e a compra de equipamento.
Nado e criado em Chelas, Bruno realça que nunca teve medo no bairro, que “não está como estava antes”, mas onde persistem problemas.
“Isto começou a melhorar desde que as pessoas deixaram de ter essa ideia de que aqui era um mundo perigoso, o terceiro mundo”, comenta, recordando que houve tempos em que se ia a uma entrevista de emprego e, quando se dizia que se morava em Chelas, passava-se “para o fim da linha”.
“Viver aqui faz-nos ver as coisas de outra maneira”, reconhece, sublinhando que a rádio quis mostrar “a outra parte”, que, lamentam, não aparece na comunicação social tradicional.
A rádio, acredita o agora engenheiro de segurança no trabalho, “é uma ferramenta muito poderosa” e “um bom escape” num bairro onde os jovens não têm muito para fazer.
A Zip tem emissões em direto todos os domingos, das 14h00 às 17h00, que repõe ao longo do resto da semana, a par com uma lista musical juvenil.
Os programas temáticos de autor (entrevistas, agenda cultural, jogos, piadas, fofocas) são assegurados por uma dezena de voluntários, em 90% dos casos residentes no bairro.
“Não somos profissionais, nem queremos ser”, frisa Bruno, explicando que os namoros e os primeiros trabalhos impõem a rotatividade dos voluntários.
O importante, realça, é assegurar a continuidade – e para isso existe um “núcleo duro”, avesso a hierarquias, que trata da “parte chata”.
Com 25 anos, Belmira, mais conhecida como Béu, integra os fundadores.
“No início, não levávamos a rádio assim muito a sério porque não era [essa] a nossa ideia, era uma coisa só nossa, do bairro”, lembra.
Mas o projeto “ganhou uma dimensão” de que não estavam à espera.
Atualmente, a Zip, que já chegou a ter duas mil pessoas numa emissão, tem contacto regular com as escolas de Marvila e assegura a cobertura de vários eventos oficiais da freguesia.
Além disso, é convidada internacionalmente para explicar como se monta uma rádio comunitária jovem dentro de um bairro.
Esta semana, viajarão até Marbella, em Espanha, para dar formação em três estabelecimentos de ensino sobre rádios escolares.
João, outro dos fundadores, guarda destes sete anos de rádio comunitária “muitas memórias, muitos momentos”, frisando que a Zip “é também um local de compromisso”.
Com regras, mas “sem limites”, a Zip, “mais do que uma rádio, é um espaço de aprendizagem”, destaca Bruno, mencionando o exemplo de Vitória, que, aos 9 anos, conversa com a pequenada para o programa “O mundo de criança”.
Há duas semanas, Iara, de 20 anos, caiu na rádio “um pouco de paraquedas” e ficou, pelas pessoas. “Aos poucos vou-me libertando”, diz, apresentando-se como “tímida”.
Bia entrava “em completo pânico” e, hoje em dia, apresenta “galas para mais de 300 pessoas” e fala “para grupos de mais de 60 jovens internacionais”.
Para esta jovem de 21 anos, a rádio é um passatempo, pois tem outros objetivos profissionais, mas admite que “é algo que gostaria de continuar por bastante tempo e passar o legado a outras pessoas”.
Atualmente apoiada pela Junta de Freguesia de Marvila, a Rádio Zip dá notícias que “falam efetivamente sobre coisas que acontecem no bairro, boas e más”, destaca Bruno, que não duvida de que a visão dos jovens “muda totalmente” o retrato da realidade.
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