Com a participação da soprano Ana Quintans e do fadista Ricardo Ribeiro, entre outros músicos, o disco constrói "uma teia musical específica", do estilo barroco para o fado, conforme o projeto foi crescendo, “aproveitando as versatilidades dos músicos", num processo de "luta contra o encapsulamento, hierarquias e fronteiras da música", como disse à agência Lusa Marcos Magalhães, salientando "valores subjacentes ao disco”.
O álbum, que inclui peças de António Silva Leite, Carlos Paredes e Francisco António de Almeida, pode escutar-se como quem lê um livro, de acordo com o regente e musicólogo, seguindo a distribuição do alinhamento do álbum por capítulos.
“De facto, [o alinhamento] foi influenciado por essa estruturação tipo livro, em que cada capítulo junta várias músicas, fazendo uma música maior ainda. Há um de que gosto muito, que junta uma cantiga de Santa Maria [da recolha de Afonso X], uma [secção de uma] cantata de Johann Sebastian Bach e, depois, uma composição de Rabin Abou-Khalil, para o 'Soneto de Amor', [de José Régio], e uma peça de Francisco António de Almeida”.
O disco, “From Baroque to Fado. A journey through Portuguese music”, conta, além de Ricardo Ribeiro, Ana Quintans e da orquestra Os Músicos do Tejo, com as participações Miguel Amaral, na guitarra portuguesa, Marco Oliveira, na viola, Jarrod Cagwin, nas percussões, e foi gravado ao vivo, em dezembro do ano passado, no grande auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Marcos Magalhães disse que “chegar ao conceito deste disco foi algo complicado”. Partiu de um desafio do cravista finlandês Aapo Hakkinen, que gostou do álbum “Sementes de Fado”, d’Os Músicos do Tejo, e convidou Marcos Magalhães para fazer um concerto em Helsínquia, que juntasse música barroca e fado, o que está na base do convite a Ana Quintans e Ricardo Ribeiro.
“Ricardo Ribeiro permite fazer fado, mas também música barroca com a Ana Quintans. Tem uma versatilidade que lhe permitiu ir por outros caminhos muito interessantes”, disse Marcos Magalhães sobre o fadista.
“Lembrei-me de fazer uma interação entre Ricardo Ribeiro e a orquestra, também entre ele e Ana Quintans, e que ela saísse um pouco da música clássica e barroca, e Ricardo entrasse um pouco na música antiga”, disse.
A opção por Ricardo Ribeiro levou Marcos Magalhães a escolher composições do libanês Rabin Abou-Khalil, com quem o fadista foi o primeiro intérprete vocal a gravar, e que permitiu evocar “raízes árabes, que estão um pouco enterradas na nossa cultura”, e abordar "Cantigas de Santa Maria", que se inserem no contexto da Península Ibérica, todas cantadas em galaico-português antigo.
O projeto “acabou por se tornar num panorama geral da música portuguesa, numa visão muito pessoal, de certa maneira anacrónica, com ligações que não são óbvias, nem científicas”.
O álbum inclui, entre outros, um inédito de Miguel Amaral para guitarra portuguesa e orquestra barroca, “Luz de Outono”, “Fado Alentejo”, de Rosa Lobato de Faria e Rão Kyao, “Com que voz”, de Luís de Camões e Alain Oulman, com arranjos de Marcos Magalhães, “Destino Marcado”, de Fernando Farinha, na melodia do Fado Menor, e “O Pastor”, de Pedro Ayres Magalhães, uma criação dos Madredeus.
Marcos Magalhães defendeu que “não faz sentido essa ideia da divisão entre a música superior e inferior”, que considera “muito perniciosa”, “um absurdo e uma parvoíce”.
Tais distinções “não nos permitem ouvir com atenção as coisas”, argumentou o músico.
"Todos os compositores se inspiraram na música popular. Exemplo disso é a 'Cantata dos Camponeses', de Bach, [cuja sinfonia] incluímos no disco, em que o músico faz uma homenagem aos músicos de rua".
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