Falecido no dia 18 de junho de 2010 aos 87 anos, José Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, concelho da Golegã, a 16 de novembro de 1922, embora esteja registado como tendo nascido a 18, e antes de fazer três anos mudou-se para Lisboa com os pais.

Foi ao inscrever-se na escola primária, na capital, que se descobriu que o funcionário do registo civil (que o escritor retrataria como um bêbado), tinha acrescentado na sua certidão de nascimento a alcunha da família, Saramago, como sendo apelido, o que tornou o escritor no primeiro Saramago entre os Meirinho de Sousa.

A infância em Lisboa foi de pobreza e Saramago sentia a capital como uma cidade hostil, da qual se sentia excluído em todos os aspetos, o que o levou a criar a chamada “Josephville”, cidade ideal que descreveu numa crónica em 1968, por contraposição à cidade real.

Como não tinha livros em casa, foram os livros escolares de Português, pelo seu caráter “antológico”, que lhe abriram as portas para a fruição literária.

Foi só aos 19 anos que comprou os primeiros livros, através de um empréstimo de 300 escudos pedido a um amigo, e como não tinha estante, guardou-os num armário da cozinha.

Centenário de Saramago assinalado no Folio com três exposições em Óbidos

Após fazer os estudos secundários em Lisboa, que por dificuldades financeiras não prosseguiu, José Saramago começou a trabalhar como serralheiro mecânico numa oficina de reparação de automóveis.

Em 1944, já tinha mudado de atividade e trabalhava para a Segurança Social, casou com Ilda Reis, então datilógrafa nos Caminhos-de-ferro, de quem viria a ter a sua única filha, Violante Saramago Matos, em 1947.

Nesse mesmo ano publicou o primeiro livro, um romance que intitulou “A Viúva”, mas que por conveniências editoriais saiu com o nome de “Terra do Pecado”, e que a Porto Editora vai republicar no dia 16, com o título original e com a caligrafia da filha, Violante.

José Saramago exerceu ainda as profissões de desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, editor e tradutor, tendo colaborado também como crítico literário na revista Seara Nova e como comentador político no Diário de Lisboa (1972-73) e sido diretor do Diário de Notícias (1975).

Deste período ficou marcado o episódio do saneamento de jornalistas do Diário de Notícias, que exigiam mais pluralismo, no chamado "verão quente" de 1975, do qual o escritor se tentou distanciar, afirmando não ter responsabilidades no assunto.

Nesta altura já se tinha separado de Ilda Reis e saído de casa, o que aconteceu em 1970, para ir viver com a escritora Isabel da Nóbrega, com quem esteve 16 anos, período durante o qual escreveu os romances “Deste Mundo e do Outro” (1971), “Levantado do Chão” (1980), “Memorial do Convento” (1982), “O Ano da Morte de Ricardo Reis” (1984) e “A Jangada de Pedra” (1986), entre outros.

Membro da primeira direção da Associação Portuguesa de Escritores e presidente da assembleia geral da Sociedade Portuguesa de Autores em 1985-1994, José Saramago, viveu, a partir de 1976, exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro enquanto tradutor e depois enquanto autor.

Celebração dos 100 anos do nascimento de José Saramago começa hoje

Em 1986, conheceu a jornalista espanhola Pilar del Rio, com quem se casou em 1988.

No ano seguinte publicou "História do Cerco de Lisboa" e em 1991 "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", o romance mais polémico do autor, que, de forma ficcionada e humanizada, reconta a história bíblica da vida de Jesus Cristo, sob um ponto de vista moderno e crítico da religião.

Em consequência da “censura exercida pelo Governo português” sobre o romance - segundo as palavras de Saramago -, vetando a sua apresentação ao Prémio Literário Europeu sob pretexto de que o livro era ofensivo para os católicos, o escritor transferiu, com Pilar, a residência para a ilha de Lanzarote, no arquipélago de Canárias, em fevereiro de 1993.

No entanto, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" foi distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, em 1992, no mesmo ano em que "Levantado do Chão" foi galardoado em Itália com o Prémio Internacional Ennio Flaiano.

No princípio desse ano publicou a peça “In Nomine Dei”, ainda escrita em Lisboa, e que lhe valeu o Grande Prémio de Teatro da Associação Portuguesa de Escritores no ano seguinte, da qual foi extraído o libreto da ópera “Divara”, com música do compositor italiano Azio Corghi, estreada em Münster (Alemanha), em 1993.

Antes disso, José Saramago já tinha colaborado com o compositor, que musicou a ópera “Blimunda”, inspirada no “Memorial do Convento”, que se estreou em Milão (Itália), em 1990, e que terá nova apresentação no dia 16, com encenação de Nuno Carinhas.

Em 1993, o escritor começou a escrever um diário, a que deu o nome “Cadernos de Lanzarote” e do qual estão publicados cinco volumes.

José Saramago

Dois anos depois publicou o romance “Ensaio sobre a Cegueira” e, em 1997, “Todos os Nomes” e “O Conto da Ilha Desconhecida”.

Em 1995 foi-lhe atribuído o Prémio Camões. Em 1998 venceu o Prémio Nobel de Literatura.

No discurso proferido em Estocolmo, por ocasião da entrega do Nobel, José Saramago lançou um apelo para que os cidadãos, da mesma forma que reivindicam os seus direitos, reivindicassem também os seus deveres.

A partir dessa proposta foi elaborada por mais de dois mil especialistas em diversas áreas uma “Carta Universal dos Deveres e Obrigações dos Seres Humanos”, que foi entregue em 2018 à ONU, para ser dada a conhecer mundialmente.

Após a atribuição do Nobel, a Fundação Círculo de Leitores instituiu um galardão literário bienal com o nome de José Saramago e a expectativa em torno de um novo trabalho do autor aumentou, até que, no ano 2000, chegou às livrarias "A Caverna", a que se seguiu "O Homem Duplicado" (2002).

O "Ensaio Sobre a Lucidez", publicado em 2004, foi apresentado pelo próprio escritor em entrevista à Lusa como "uma fábula, uma sátira e uma tragédia" e causou controvérsia por preconizar o recurso ao voto em branco como sinal de desagrado dos eleitores perante o Governo.

Aquando do lançamento deste título, José Saramago criticou duramente a democracia portuguesa por, na sua opinião, os governos serem "comissários políticos do poder económico" e mostrou-se contra o monopólio dos ‘media’.

Em 2005, o escritor - que dizia não ser pessimista, "o mundo é que é péssimo" - lançou também um novo romance, "As Intermitências da Morte", que apresentou como "uma reflexão filosófica sobre a vida" e onde coloca questões como: "Quais as implicações de uma vida mais longa? Quanto tempo passaria a durar a velhice? Em que se tornaria o corpo humano?", "Como se pagariam então as reformas, problema que já agora se coloca?".

José Saramago

No ano de 2007 foi criada em Lisboa uma Fundação com o seu nome, que tem como objetivo principal defender e divulgar a literatura contemporânea, e no ano seguinte foi assinado um protocolo com a autarquia lisboeta de cedência da Casa dos Bicos para sede da Fundação José Saramago.

José Saramago acumulou vários prémios nacionais e internacionais, bem como doutoramentos Honoris Causa por universidades portuguesas e estrangeiras.

A vasta obra do escritor português encontra-se editada em mais de trinta países, entre os quais Dinamarca, Suécia, Finlândia, Hungria, Rússia, Turquia, Albânia, Eslovénia, Sérvia, Roménia, Macedónia, Síria, Israel, Tailândia, Emirados Árabes Unidos, México, Colômbia, Argentina e EUA.

Criador de um universo muito próprio, por vezes alojado entre o real e o fantástico, Saramago acreditava, à semelhança de Laurence Sterne, que talvez intercetasse pensamentos que os céus destinavam a outros homens.