“Eu durmo com eu quero e faço o que me apetece | Com quem eu quero aquilo que quero fazer”. Assim canta Mel do Monte, na sua encarnação Miúda, transmitindo exatamente aquilo que os Capitães da Areia foram passando ao SAPO On the Hop. Mel, em “A Filha do Rei”, é apenas uma entre os vários convidados que a banda trouxe para o novo disco-surpresa, “A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70”. Uma viagem que conta com nomes tão improváveis como José Cid, Toy, Bruno Aleixo, Tiago Bettencourt, Miguel Angelo e Lena D’Água. A conversa com três dos quatro elementos dos Capitães da Areia foi tão fluída como o álbum de 31 faixas: uma narrativa sem metáforas, onde o literal reinou.
Pedro de Tróia, Tiago Brito e António Moura sentam-se com o SAPO On The Hop na Louie Louie, em Lisboa, onde “A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70” está à venda. Ainda maravilhados com o sucesso que o disco está a ter, a versão em CD, ainda não pensam numa versão em vinil que a casa onde estão tanto puxa a trazer à tona. A ausência de Inês Franco é notada, mas avisam logo que a banda não é, na realidade, o que os sustenta. Aliás, pelo contrário: foi a banda quem investiu no novo álbum, caso contrário colaborações como o dueto de Rui Pragal da Cunha com Toy teria ficado nas sombras. A única aquisição de valor foi um microfone que, de forma mágica, serviu para gravar muitos dos instrumentos fora do estúdio, dando-lhes possibilidades (quase) infinitas de edição.
“Nós só fizemos um disco para nos divertirmos. Mais nada”
Comecemos pelo fim: "Rosebud". Porquê? “Foi uma coisa mesmo muito simples: nós não tínhamos um final para o disco. Estava a acabar a duração – nós tínhamos de cumprir 74 minutos no máximo -, o microfone estava ligado” e assim aconteceu, explica Pedro de Tróia vincando que “não há uma explicação”, tal como faz ao longo da entrevista. Na verdade, os Capitães da Areia não quiseram engendrar nenhum disco cheio de mensagens subliminares. Certo é um facto: o António nunca viu "Citizen Kane"– “Está na lista pendente de filmes a ver”, garante. “Eu sou mais livros”. Mas Tiago Brito explica, indo mais longe: “todo o ambiente que nós críamos de espaço ao longo do disco culmina naquela conversa banalíssima que era o nosso dia-a-dia de gravação”.
“Nós só fizemos um disco para nos divertirmos. Mais nada”. Pedro de Tróia não podia ser mais direto para aqueles que criticaram o novo trabalho por ser uma junção de mil e uma coisas. “Não há mesmo mais nada para além disso”, garante: “as pessoas podem esperar uma grande explicação para tudo isto, mas a explicação é que não há explicação”. Mas como é que surge este disco? A banda conta que Tiago já tinha umas ideias e o Pedro queria era escrever um disco com um “amontoado de ideias”. Estes primeiros sinais daquilo que viria a dar corpo e alma a “A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70” aconteceram no verão de 2012. Daí para cá foram pensando em convidados e no que queriam mostrar: “queríamos mostrar quem somos, quem está por detrás da banda”, explica Pedro de Tróia. “Acho que isso está bem explicíto… se as pessoas não gostarem, não gostam de nós [risos]”.
Para os que especulam sobre uma possível inspiração com o lendário disco de José Cid, “10000 anos entre Vénus e Marte”, a banda explica que só se lembrou disso bem depois, e não no início. Temos a ousadia de lhes perguntar se concordam com o título de “álbum conceptual” que lhes estão a pôr, mas Pedro de Tróis descontrói logo de seguida: “Nós concordamos com tudo! O que dizem de bem, o que dizem de mal [risos]”. Mas Tiago Brito volta a arrumar a casa: “É bom que tenha alguma complexidade ao ouvi-lo, mas em termos de conceito” Brito dá a entender que não estavam para aí virados. E fecha o assunto: “O próprio filme do Rosebud [Citizen Kane] serve para explicar isso: qualquer pessoa que pense num puzzle gigante construído, nós desmascarámos tudo… estamos ali numa sala a gravar”. Simplesmente.
"Sempre quisemos ir à casa do Toy”
Mas isto também não foi uma rebaldaria. Tiago explica que, obviamente, o álbum teve uma estrutura conexa a todos os níveis, “caso contrário ninguém gostaria de ouvir aquilo nem tinha paciência”. Tem uma estrutura porque precisa de uma estrutura, “mas não é aquela estrutura em que ‘vamos aqui dar numa de conceptual para ninguém perceber’”. Na realidade, o que não se percebe são mesmo as colaborações “tão ao lado” dos Capitães da Areia: “Não são assim tão ao lado”, considera Pedro de Tróia, explicando que “no caso do José Cid foi para queimar aquele cliché (…) de as pessoas referirem o ‘10000 anos entre Vénus e Marte’, então bora lá ligar ao José Cid”. E, no fundo, a conversa que aconteceu é a que está no disco, na faixa 7, onde como um mestre, Cid dá aconselha os jovens: “Se tiverem de morrer, morram. Só”. Goodbye.
Lena D’Água surge com a saída de Vasco, um antigo elemento da banda. Como queriam dar uma saída em grande, convocaram a cantora portuguesa, que aceitou logo. Já a explicação para a colaboração do Toy é simples: “Nós sempre quisemos ir à casa do Toy [risos]”, afiança Pedro de Tróia. E, na verdade, não conseguiram. Levaram uma garrafa de vinho, mas para os bastidores do concerto do cantor no Seixal – “Foi super simpático”, garante o vocalista. Nenhum dos convidados perguntou pelo cachê: “Foi tudo malta porreira”. Citando Pedro Abrunhosa, “fomos fazer o que ainda não foi feito”, diz em jeito de brincadeira Pedro de Tróia. Calado na maior parte da entrevista, o mais novo António afiança que “tanto há momentos falados programados como outros de puro acaso”. Mais uma vez, o grande objetivo foi dar a conhecer os Capitães. “Nós começamos a andar com um microfone”, refere Pedro de Tróia; um micro que os acompanhou por vários sítios e que nem sempre estava ligado, mas quando estava captava a essência da dinâmica da banda.
“Queríamos mesmo que as pessoas ouvissem do início ao fim”
Insistimos: tem de haver uma explicação, nem que seja para a estratégia utilizada de disponibilizar o álbum integralmente na internet, em streaming, ao mesmo tempo que o vendem em CD. “Quem compra discos quer tê-los fisicamente”, explica Tiago Brito, separando dois tipos de público. A única estratégia, percebemos, é a de fazer as pessoas ouvirem o disco seguido, sem singles ou hits que se destaquem: “Disponibilizamos o disco na íntegra para ser ouvido do início ao fim”, refere Brito, “queríamos mesmo que as pessoas ouvissem do início ao fim”. O destaque é para o disco, não é para uma canção em específico. Pedro de Tróia descomplica: “Temos de lançar um disco. Há o preconceito de que as pessoas jánão compram discos. Mas os discos estão a vender mesmo. As encomendas estão a cair mesmo”. Mas também tem noção do vasto público que não compra discos e, por isso, como um dos objetivos era espalhar a palavra da banda, decidiram colocar o segundo álbum de originais no Spotify e no YouTube. É uma adaptação às tendências e a um público jovem. “A malta jovem já não ouve um disco do início ao fim. Até para nós, para nos educarmos, vamos lá ouvir um disco do início até ao fim”.
“Nós vamos sempre fazer aquilo que nos apetecer”, afirma Pedro de Tróia. “Esse é o único alerta que podemos lançar… não esperem nada de nós porque também não sabemos o que vamos fazer. Porque o próximo disco até pode ser só vozes, não ter voz ou ter os Capitães a bater palmas, sugerem. Tudo é normal.
Foto @David Caetano
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