Zé Pedro, guitarrista e fundador dos Xutos & Pontapés morreu esta quinta-feira, 30 de novembro, aos 61 anos. O músico faleceu depois de complicações decorrentes da Hepatite C de que sofria há mais de 15 anos na sua casa, em Lisboa.
Zé Pedro estava doente há vários meses, mas a situação foi sempre mantida de forma discreta pelo grupo, tendo só sido assumida publicamente em novembro, a propósito do concerto de fim de digressão da banda.
Há poucas semanas, Zé Pedro revelou que iria começar um um novo tratamento, depois de ter atuado com os Xutos & Pontapés no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. “Como sabem tenho andado na luta da vida com alguns problemas de saúde… Tentei e tento dar sempre o melhor de mim. O vosso carinho, o vosso amor, a vossa energia, toda a força que me transmitem é-me tão forte e vital que só posso humildemente agradecer", escreveu na altura nas redes sociais.
Foi talvez o maior símbolo do rock português, embaixador de um estilo teimosamente rockeiro que conseguiu manter atual aos olhos das novas gerações, e uma figura eternamente carismática, cujo enorme amor pela música caminhava de mãos dadas com a intensa boémia e a imensa simpatia que o público em geral sempre lhe reconheceu. Ninguém mais do que ele parecia estar sempre a divertir-se a cada vez que pisava um palco, fazendo de cada concerto dos Xutos & Pontapés um momento de festa, e, cada vez mais, um evento que juntava várias gerações de admiradores.
Um embaixador do rock
Nascido em Lisboa a 14 de setembro de 1956, José Pedro Amaro dos Santos Reis, desde sempre conhecido como Zé Pedro, viveu até aos seis anos em Timor, consequência da profissão do pai, militar de carreira. A paixão do pai pela música passou para o rapaz, que cresceu a ouvir discos num giradiscos da Telefunken que o pai comprara na Guiné.
Uma vida nos palcos - recorde a carreira de Zé Pedro em imagens:
Mas o grande momento de viragem com cerca de 20 anos, em 1977, quando Zé Pedro fez um interrail pela Europa, e assistiu em França ao festival de punk de Mont-de-Marsan, convertendo-se a partir daí à ideologia e à estetica do punk, que começava então a emergir em Portugal.
Em 1978, com a ideia de transpôr essa expressão para o nosso país, juntou-se ao seu amigo Zé Leonel e colocou um anúncio no jornal na secção de classificados: “Baterista e baixista precisam-se para grupo punk”.
Entre os vários que responderam contavam-se Tim e Kalu, nascendo aí os Xutos & Pontapés, com uma primeira formação de quatro elementos com Leonel como vocalista, Zé Pedro na guitarra, Tim no baixo e Kalu na bateria, e estreia a 13 de janeiro de 1979 na sala Alunos de Apolo, numa noite de celebração do rock n'roll e de despedida dos Faíscas. Na altura ainda não tinham a legião de fãs de hoje e estavam longe de saber que se tornariam numa das mais resistentes bandas do rock português.
Zé Leonel sairá logo em 1981, abrindo espaço a Tim para a função de vocalista, Francis integra a banda entre 1981 e 1983, e João Cabeleira entre para o grupo nesse último ano, completando a formação existente até aos dias de hoje.
Desde então até agora, os Xutos & Pontapés gravaram 14 albuns de originais, deram milhares de concertos e criaram centenas de músicas, muitas delas clássicos da canção portuguesa, como "À Minha Maneira", "Para Ti Maria" "Contentores", "Não sou o Único”, "N'América", “Para Sempre e “Mundo ao Contrário”, além de uma muita popular versão do tema “A Minha Casinha” para o mítico álbum “Circo de Feras”, que fez a visibilidade da banda explodir em 1987.
O sucesso foi tão consensual que em 2004, todos os membros do grupo foram agraciados pelo então Presidente da República Jorge Sampaio com o grau de Comendador da Ordem de Mérito.
Em 2007, é editado o livro "Não Sou o Único", uma biografia de Zé Pedro escrita pela sua irmã, Helena Reis. "Dizem que somos feitos da mesma matéria que as estrelas, que ainda somos seus primos afastados, mas alguns de nós têm um parentesco mais próximo com elas, uma cintilação especial – são eles próprios estrelas. É o caso de Zé Pedro, fundador dos Xutos e Pontapés e uma das mais brilhantes estrelas do rock português. Nestas páginas da autoria da irmã Helena Reis, somos convidados a entrar no mundo de Zé Pedro, dos seus sonhos, das suas paixões", pode ler-se no resumo de apresentação do livro.
Zé Pedro tem um incontornável lugar na história do rock como membro dos Xutos & Pontapés, mas foi sempre muito mais do que isso, servindo de embaixador do rock onde quer que a ocasião se proporcionasse, divulgando bandas como radialista na Rádio Radar, participando em concertos de colegas de todas as proveniências, e mesmo formando bandas exteriores à de origem, como os Ladrões do Tempo, em 2011, Tó Trips e Pedro Gonçalves (dos Dead Combo), Samuel Palitos e Paulo Franco.
A solo, o músico editou o álbum "Convidado: Zé Pedro" (2011), uma soma de parcerias com conhecidos músicos portugueses. O registo reúne canções de artistas com os quais o guitarrista trabalhou, à margem da carreira dos Xutos & Pontapés.
A luta contra a doença
Foi diagnosticado com Hepatite C quando teve "graves problemas de saúde". "Fui ao médico e um dos principais problemas detetados foi a hepatite C. Aos 12 anos lembro-me que tive hepatite, mas não sei bem qual. Não sei como contraí a doença. Pode ter sido por causa dos abusos com droga injetável e álcool ou se calhar foi uma reativação do vírus que tive aos 12 anos", explicou o guitarrista numa entrevista ao Jornal de Notícias.
Em maio de 2011, o músico fez um transplante de fígado. Na altura, a própria banda avançou em comunicado, que “há muito tempo que o guitarrista se debatia com problemas de fígado, pelo que se encontrava em lista de espera para um transplante".
Durante o período de recuperação, o músico dos Xutos & Pontapés foi substituído por Tó Zé, ex-guitarrista dos RAMP e roadie pessoal de Zé Pedro.
O transplante a Zé Pedro correu bem e o músico voltou aos palco, no concerto da banda no festival Optimus Alive (hoje NOS Alive), no Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras.
Noutra entrevista ao Expresso, Tim recordou também o dia em que Zé Pedro entrou no hospital em estado crítico. "Anos e anos de abusos e uma perspetiva de vida no futuro estavam a cobrar a conta. Felizmente, safou-se. A partir daí surgiu um Zé Pedro diferente", conta, sublinhando que o músico tem "sido muito forte e corajoso, tem sofrido, mas não se tem sacrificado". "A vida dele é tocar nos Xutos & Pontapés", frisou.
A última digressão dos Xutos com Zé Pedro
Os Xutos & Pontapés terminaram a digressão deste ano com um concerto a 4 de novembro, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Depois do espetáculo, Zé Pedro agradeceu o apoio do público através de um texto partilhado na sua página no Facebook. "Entrar em qualquer sala com lotação esgotada é maravilhoso. Os Coliseus têm uma magia muito própria e o concerto de ontem foi muito especial. Como sabem tenho andado na luta da vida com alguns problemas de saúde... Tentei e tento dar sempre o melhor de mim", escreveu o músico.
"O vosso carinho, o vosso amor, a vossa energia, toda a força que me transmitem é-me tão forte e vital que só posso humildemente agradecer.... Obrigado também a todos os que ontem gritaram o meu nome e fizeram com que tivesse força para continuar naquele palco até ao fim", acrescentou, revelando que vai começar a fazer um novo tratamento. "Começo um novo tratamento e garanto que é para ganhar. Eu sei lutar e acredito", frisou.
Num artigo publicado na Revista do Expresso, vocalista e baixista da banda, Tim, falou também sobre a incerteza em relação ao futuro da banda. "O concerto deste sábado marca o fecho da tour 2017, mas no início não sabíamos se a saúde do Zé Pedro ia aguentar o esforço necessário; esta incerteza marcou a digressão, mas graças aos deuses e ao ânimo do Zé tivemos grandes concertos por todo o país, e ele só não tocou em Toronto por imposição nossa. As viagens eram um risco desnecessário", explicou o músico no início do artigo.
Segundo Tim, o concerto no Coliseu dos Recreios foi "montado para, de alguma forma, proteger a saúde do Zé (e a nossa), com um pequeno espaço acústico no meio para recuperar o fôlego, algumas canções novas, o solo do Kalú e do Zé".
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