Ana Cristina Pereira (Público), Bárbara Baldaia (TSF), Cristiana Reis (SIC), José Gabriel Quaresma (TVI) e Rita Marrafa de Carvalho (RTP) têm uma coisa em comum: são jornalistas. O SAPO On The Hop desafiou-os a contar mais uma história, não sobre o que se passa no mundo, mas sobre um momento marcante enquanto jornalistas.
"É aquele jornalista que perdeu o dente da frente em direto". Foi um momento marcante, admito. Dizer insuperável é erro.
Também pensava assim, até ao dia 24 de novembro de 2014. Sexta-feira. Faltava meia hora para a 25ªHora, quando soubemos da notícia. Sócrates preso. Meia noite e onze: "Avança", gritam-me no auricular. Três estonteantes horas. Onze minutos de notícias. Três horas sem rede, sem rédea, apenas o rosto de uma equipa fantástica. Estávamos a narrar algo histórico, logo muito sério. Pela primeira vez em 22 anos senti o peso enorme. Pressão pura. Desafio ao segundo. Brincar ao auto-controle. As redes sociais. O feedback também em directo. Nunca a tv me fez tão bem. Adormeci já o sol tinha nascido.
Há muitos momentos. Talvez os mais marcantes sejam aqueles em que me surpreendo com o quanto o jornalismo se entranha na existência. Ainda há pouco, estava de férias, em Macau, a delinear um plano de viagem pelo Sul da China, e, de repente, só tinha sentido acampar, no asfalto, em frente ao Governo de Hong Kong, a registar a luta pelo sufrágio universal. Precisamente um ano antes, fui à Grécia a um seminário sobre discursos de ódio. Sobravam-me uns dias e, em vez de ir ver o Partenon, fui conhecer uma família afegã. Queria muito perceber o que é estar num país que se afunda, sem poder voltar para trás nem seguir em frente. Suponho que o jornalismo passa muito pela curiosidade desmedida, pela permanente predisposição para viver a história.
Jamais, em tempo algum, voltarei a ter uma experiência igual. Estar, em 2005, na cobertura do tsunami do Sudeste Asiático, em Samatra, Indonésia. Chegámos no caos. Mais de 200 mil pessoas mortas. Dormir em tendas, sem água potável ou comida, na pista de aterragem do aeroporto militar. E sacudir a roupa todos os dias porque encontrávamos, habitualmente, lacraus. Fazer diretos, no meio dos escombros, de madrugada, devido à diferença horária. Encontrar os mesmos corpos, nos passeios, a inchar do calor e humidade à espera de alguém que os conseguisse dali retirar. E ver milhares de outros, em retro-escavadoras, a serem despejados em valas comuns e cobertos de cal. Crianças que só pediam máscaras por causa do cheiro. Algumas tapavam os olhos para beber água. Porque a água era o terror. Aquela que destruíra tudo. Que levara pais, amigos, irmãos. Foi há 10 anos...
No ano passado tive a minha primeira experiência profissional no estrangeiro. “Londres”, “entrevista” e “Ariana Grande” eram as palavras-chave. O desafio consistia em ir sozinha e em ir e regressar no mesmo dia. Avião, comboio, metro e alguns metros a pé depois, dei com o hotel que era o local combinado para a entrevista. Alguns fãs esperavam, à porta, por um sinal da cantora (o que é sempre um sinal da dimensão profissional da pessoa que entrevistamos). A conversa correu bem e regressei a casa com um sorriso gigante na cara e no coração. Afinal, sempre que cumprimos um objetivo, há uma espécie de tatuagem que fica marcada na nossa vida. E a verdade…é que fazer trabalhos fora de Portugal sempre foi um dos meus objetivos.
Em 2000, João César Monteiro lançava "Branca de Neve". Fui fazer reportagem da antestreia do filme que já fazia correr muita tinta. Dizia-se que era tudo preto, sem imagens, apenas diálogos. Dizia-se que ele tinha colocado um sobretudo em cima da câmara. "Dizem as más línguas que foi um sobretudo esquecido...", atira-lhe a repórter da SIC. César Monteiro reage: "Eu quero que as más línguas se fodam". Eu insisto e pergunto-lhe pelo público, já com a voz meio sumida. "Eu quero que o público se foda". César Monteiro pronunciava pausadamente as últimas palavras: "se fo-da". "E assim sucessivamente", acrescentou.
Foto @AFP
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