Porquê ficar em casa quando se tem a oportunidade (que pode, muito bem, ter sido a última) de ver um concerto de Márcia e outro de Suzanne Vega, na mesma noite? A pergunta é apenas retórica. O que ultrapassou a simples "arte de bem falar" foi a complexa arte de bem cantar, mesmo quando a voz não é imponente. A terceira noite do EDP Cool Jazz, neste domingo, foi a noite dos timbres pequenos e doces. Doces ao ponto de encostar as pipocas que se distribuíam pelo recinto a um canto. 

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Márcia não fez caso do frio de Oeiras e livrou-se do casaco assim que pisou o palco. Durante os 40 minutos que ali esteve, tudo foi suave, tudo se aquietou. Tão suave e quieto que o coaxar das rãs do Jardim Marquês de Pombal foi quase uma espécie de backing vocals de Márcia. Logo de início, a cantautora portuguesa endereçou as palavras de "Menina" ao público feminino, apesar de não contar com a habitual companhia de Samuel Úria e suas suíças. O mesmo aconteceu em "A Pele Que Há Em Mim", sem o vozeirão de JP Simões. Talvez, por isso mesmo, o concerto de Márcia tenha sido morno. Ou talvez por não a termos visto como ela nos acostumou: sentada num banquinho com a guitarra no colo, durante o concerto inteiro. Trouxe a sua banda e isso retirou-lhe muita da magia que tanto sabe operar. Mas Márcia é sempre Márcia.

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Suzanne Vega foi uma lufada, mas de ar quente. Foi a mantinha que todos precisávamos, especialmente os embalados pelo romantismo da norte-americana. Com um estilo tímbrico proveniente da mesma genealogia que o de Márcia, Vega terá enganado tudo e todos quanto à sua idade. De alguém com quase 55 anos, espera-se sempre uma voz mais rabugenta e cansada, mais parecida com o som de uma madeira corroída por traças, mas nunca algo tão imaculado e cheio de mocidade. Um dos primeiros temas foi "Marlene On The Wall", single do álbum de estreia homónio, editado em 1985. Logo de seguida, vieram "Fool's Complaint" e "Crack In The Wall", estas já do seu último longa-duração, "Tales from the Realm of the Queen of Pentacles", lançado este ano. "Crack In The Wall" foi anunciada pela californiana como uma canção que «fala de um mundo espiritual, para além deste mundo material».

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Suzanne Vega fez mesmo questão de sublinhar a sua espiritualidade e mostrou-nos a nova "Jacob And The Angel", uma canção cujas palavras foram emprestadas pela Bíblia Sagrada. Ao longo das quase duas horas de espetáculo, Vega insistiu em duas coisas: apresentar e recordar. Apresentar o seu novo álbum e recordar os álbuns de baú. Uma das recordações mais marcantes foi a da sua primeira vez em solo português, «há aproximadamente 25 anos», altura em que se inspirou para escrever "Ironbound/Fancy Poultry", tema que dedicou aos portugueses. "The Queen And The Soldier" foi outro dos momentos mais nostálgicos. A melancolia ainda se tornava maior com os sorrisos de Vega, acompanhados pelos vários «muah's» (beijos) que enviou para a plateia.

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Há que aplaudir o minimalismo e versatilidade de Suzanne Vega. Não só a sua relação com a guitarra é extremamente profícua, como sabe também tirar o melhor proveito do grande instrumento musical que é o corpo humano, usando-o para uma percussão au naturel. Entre palmas e estalar de dedos, quase que, indiretamente, chamou "inútil" ao seu próprio baterista. Além disso, este minimalismo está ainda presente no próprio esqueleto musical, quase sempre assente na singeleza dos power chords. Já foi perto do fim que chegou o momento por que todos aguardavam. As palavras de "Luka" são bem conhecidas do público do EDP Cool Jazz que, apesar de reservado, foi sempre respeitador. Outra de 1987 foi "Tom's Dinner", também conhecida da grande maioria dos presentes. Suzanne Vega foi digna de um luar tão belo, de um palco tão importante e de um aplauso tão sentido. Um concerto para guardar na memória.

Fotografias por Débora Lino