Pergunta: Como é que alguém se destaca num mundo sobrelotado de oferta musical? Sendo bom, ou melhor, muito bom. Perguntem a Bruno Pernadas. O multi-instrumentalista lisboeta e a sua trupe de músicos de elevado calibre deram um magnífico concerto no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, na passada quinta-feira, transpondo sem mácula os temas do por si só fantástico primeiro LP do conjunto, "How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge?", para o ambiente ao vivo, inclusive conferindo-lhes novos e refrescantes arranjos.
A convite da reputada casa da capital para figurar na programação do CCBeat (que ainda contará com os préstimos dos Sensible Soccers no dia 28 deste mês), a ensemble liderada por Pernadas subiu para o palco pouco depois da hora para encontrar um auditório cheio para degustar hora e meia de riqueza e variedade musical. Perdoem-me as metáforas gulosas mas foi de um verdadeiro festim que se tratou esta performance, um buffet com doses generosas de folk fofinha, jazz calculista, afrobeat gingão, world music de gosto forte e outros sabores exóticos. Um solo de saxofone de rompante, uma progressão de teclas apetitosa, uma mudança de tempo na bateria que deu vontade de dançar, uma passagem vocal mais desarmante, estes e muitos mais foram elementos a utilizar para criar um saboroso caldo musical, confecionado com engenho e paixão, como fazem os melhores chefs.
Sendo nove os músicos em cima do palco, haveria sempre a hipótese perniciosa de tantas sonoridades em simultâneo poderem fundir-se numa amálgama como acontece um sem número de vezes, mas não. Cedo se pôde verificar com "Ahhhhh", faixa que também inicia o álbum, que o som não só estaria ao nível da performance com a elevaria, com cada instrumento a soar com vivacidade sem soterrar os restantes. Este aspecto foi fundamental, já que durante todo o concerto cada músico foi solicitado para ter o seu momento de destaque, desde o baixo serpenteante de Nuno Lucas à secção de sopro vivaz e cintilante, passando, claro está, pelas pinceladas que Pernadas ia dando à grande tela, fosse no piano ou na guitarra elétrica.
Embora de expressão frequentemente instrumental, o trio de vozes composto por Margarida Campelo (também dos teclados), Francisca Cortesão e Afonso Cabral (ambos acompanhados de guitarra acústica) também teve o seu papel, especialmente quando os três harmonizaram (em "Ahhhhh" e "L.A", por exemplo) num coro que acrescentou mais uma camada ao bolo sónico (ok, esta foi a última comparação com comida). Já outros momentos tiveram à cabeça a voz vulnerável de Afonso Cabral, como em "Première", que consegue aliar experimentação eletrónica à doçura da folk num casamento improvável que resulta.
A progressão de música para música foi ininterrupta, tendo como excepção o momento em que um problema de som obrigou o simpático Pernadas a comunicar com a audiência com humor e a fazer daquele mau momento mais um ponto a destacar. Para além das já celebradas canções de "How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge?", este concerto no CCB serviu de rampa para estrear outros temas como "Galaxy". Foi precisamente esta música que deu por terminada uma performance que certamente perdurará na memória de quem saiu de casa numa gelada noite invernal. O calor pode ser transmitido de várias formas, mas há uma em especial que apenas pode ser sentida quando se ouve música. Melhor ainda se for tão boa como aquela que Bruno Pernadas e restante conjunto nos ofereceram, isso é a proverbial cereja no topo do bolo.
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