“Nós tínhamos a ideia de que o conflito do poder nesta proposta fosse um conflito que existisse não só pelo exercício do poder político, como acontece no ‘Ubu’, mas fosse um conflito de poder entre três linguagens artísticas distintas”, como o teatro, a dança e a música, o que no fundo é “uma enorme provocação”, disse à Lusa o encenador, Marco Paiva.

O espetáculo, que se estreia na segunda-feira, junta em palco o Crinabel Teatro, os alunos do 3.º ano do Balleteatro e a Digitópia.

O encenador afirmou que “a proposta do espetáculo acaba por ser discutir o poder entre o teatro, a dança e a música”, e explicou que ao longo da peça “cada um destes núcleos tenta-se apoderar do próprio espetáculo”.

A peça reescrita por Mickael de Oliveira a partir de “Rei Ubu” de Alfred Jarry surge de um recente interesse da Crinabel “pelos textos clássicos” e pela “temática do poder”.

O encenador conta que “Rei Ubu”, “a história de um ditador completamente desconexo que quer exercer a o poder pelo poder”, era uma peça “que queria trabalhar há muito tempo.”

“Esta figura de Ubu, este ditador patético, é um bocadinho um espelho de figuras que nós estamos a ver a emergir no mundo hoje em dia à frente de grandes potências, como [Donald] Trump e [Jair] Bolsonaro. Figuras extremistas que apresentam um discurso completamente incoerente e alheio àquilo que deve ser uma sociedade atual, mais inclusiva e diversificada”, explicou Marco Paiva.

Ao contrário de “Ubu” de Jarry, Marco Paiva pediu a Mickael Oliveira um texto onde “o poder estivesse mais disperso por outras personagens dentro da obra”, contaminadas igualmente pela “patafísica”, "ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções, intrínseca na escrita de Jarry”.

De acordo com o encenador, a “patafísca” “[traz] uma capacidade e um olhar criativo, menos formatado, sobre as coisas que hoje em dia nos faz falta”.

Em relação ao ciclo “Ao Alcance de Todos”, o encenador disse que é importante “existir um espaço dentro de uma grande organização que abre a porta a projetos mais ligados às práticas artísticas inclusivas”, embora considere que “uma verdadeira inclusão seria incluir estas propostas numa programação regular e não em festivais específicos”.

O “Ao Alcance de Todos” realiza-se na Casa da Música desde 2007, com o objetivo de juntar “comunidades e indivíduos diferentes num mesmo palco, promovendo a plena inclusão, formando e sensibilizando jovens para também eles ajudarem na construção de uma sociedade mais inclusiva”.

Este ano, o ciclo inclui este ano três espetáculos, oficinas e uma mesa redonda até 16 de abril.