O anúncio foi feito na quinta-feira pelo curador da mostra, Adriano Pedrosa, em Itália, que enumerou também as expressões queer, "muitas vezes perseguidas ou proscritas", e artistas "à margem do mundo da arte", tal como os indígenas.

O tema da 60.ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza, em Itália - "Foreigners Everywhere" -, que decorrerá entre 20 de abril e 24 de novembro de 2024, foi anunciado numa conferência de imprensa conjunta do presidente da bienal, Roberto Cicutto, e do curador designado pela organização, Adriano Pedrosa, diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Adriano Pedrosa indicou que o tema da próxima bienal de arte tem “pelo menos, um duplo sentido”.

"Em primeiro lugar, significa que, onde quer que se vá e onde quer que se esteja, encontraremos sempre estrangeiros - eles estão em todo o lado", afirmou o curador, passando de imediato para a primeira pessoa do plural: "Nós estamos em todo o lado".

Assim, segundo lugar, prosseguiu, "significa que, independentemente do local onde nos encontramos, no fundo somos sempre verdadeiramente estrangeiros".

Adriano Pedrosa sublinhou que a bienal internacional de arte será palco da produção de “artistas que são eles próprios estrangeiros, imigrantes, expatriados, diaspóricos, emigrados, exilados e refugiados, especialmente aqueles que se deslocaram entre o sul e o norte global".

A figura do estrangeiro será associada à do forasteiro, do estranho e, por isso, segundo o curador, "a exposição desenvolverá e centrar-se-á em obras de outros relacionados: o artista queer, que se move entre diferentes sexualidades e géneros e é muitas vezes perseguido ou proscrito; o artista outsider, que se encontra à margem do mundo da arte, tal como o autodidata e o artista indígena, que é muitas vezes tratado como um estrangeiro na sua própria terra".

A produção desses artistas será o foco da Bienal de Arte e constituirá o Núcleo Contemporâneo da exposição.

Para o curador, o contexto da arte é, por si mesmo, "um mundo repleto de crises multifacetadas que afetam a circulação e a existência das pessoas no interior de países, nações, territórios e fronteiras", um contexto que reflete "os riscos e as armadilhas que se escondem no interior da linguagem, das suas possíveis traduções [...], exprimindo diferenças e disparidades condicionadas pela identidade, cidadania, raça, género, sexualidade, liberdade, riqueza", sem esquecer questões de colonialismo, como afirmou.

Adriano Pedrosa não deixou dúvidas: “Sim, há conotações e implicações políticas na exposição, mas também haverá artistas a lidar com outros temas, mais formais”, disse já no final da conferência de imprensa, quando questionado sobre o caráter político do tema escolhido.

Na mesma altura, Roberto Cicutto comentou que “as posições políticas fazem parte da arte contemporânea”, e apontou que a Bienal, na sua história, “tem [sempre] dado visibilidade a quem tem menos espaço de representação”.

Na intervenção de abertura, Cicutto tinha já afirmado que a próxima Bienal de Arte de Veneza "e o seu curador saberão preencher essas lacunas na História da Arte com muitas presenças que foram negligenciadas até agora".

O presidente da bienal estabelecia um paralelo com a Bienal de Arquitetura, a decorrer com curadoria de Lesley Lokko e um foco em artistas africanos, sob o tema "O Laboratório do Futuro". Ressalvou porém que a escolha dos temas é sempre feita pelos curadores nomeados, e, nas diversas áreas, quer com Lokko, quer com Cecilia Alemani, na anterior bienal de arte, as curadoras “mostraram a necessidade de se prestar atenção a aspetos críticos do mundo”.

O título da 60.ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza - “Foreigners Everywhere” - provém de uma série de trabalhos iniciados em 2004 pelo coletivo Claire Fontaine, nascido em Paris, e sediado em Palermo, em Itália, que expôs nas Galerias de Lisboa em 2019.

As obras consistem em esculturas de néon em diferentes cores que reproduzem, num número crescente de línguas, as palavras "Foreigners Everywhere". A frase, por sua vez, tem origem no nome de um coletivo de Turim, Stranieri Ovunque, que lutou contra o racismo e a xenofobia em Itália, no início dos anos 2000, recordou Pedrosa.

A exposição internacional – disse - contará também com um Núcleo Histórico que reunirá obras da América Latina, África, Mundo Árabe e Ásia do século XX, e uma secção especial dedicada à diáspora artística italiana, com artistas italianos que se deslocaram por todo o mundo, desenvolvendo carreiras em África, Ásia, América Latina, assim como no resto da Europa, integrando-se nas culturas locais.

Estes artistas “desempenharam frequentemente papéis significativos no desenvolvimento das narrativas do Modernismo além de Itália", pormenorizou o primeiro curador latino-americano da Bienal.

"A própria Bienal - um evento internacional com numerosas participações oficiais de diferentes países - sempre foi uma plataforma para a exposição de obras de artistas de todo o mundo”, acrescentou.

Questionado sobre a dimensão da representação de artistas brasileiros, Adriano Pedrosa não indicou números ou nomes, “porque a exposição ainda está em processo de preparação”, mas disse que estarão “muitos artistas da América Latina, já que Brasil e Argentina têm a maior diáspora italiana do mundo”.

Adriano Pedrosa disse ainda que a Exposição Internacional de Arte de Veneza terá aproximadamente o número habitual de artistas, cerca de 200, além das participações nacionais, com as suas próprias exposições nos Pavilhões dos Giardini e do Arsenale, assim como no centro histórico da cidade.

Decorrerá também a segunda edição da College Arte, para jovens artistas emergentes com menos de 30 anos, a partir do próximo outono, que poderá levar à exposição, no final do processo, até quatro novos projetos.

Adriano Pedrosa foi curador adjunto da Bienal de Arte de São Paulo em 1998 e seu co-curador em 2006, curador de exposições e coleções no Museu de Arte da Pampulha de Belo Horizonte (2000-2003).

A programação da Bienal de Arte 2024 será apresentada no próximo mês de fevereiro.

A anterior edição, “The Milk of Dreams”, com curadoria de Cecilia Alemani, que encerrou em novembro, teve em destaque a pintora portuguesa Paula Rego.