Segundo novos dados do Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e Cultura hoje revelados, 88% dos inquiridos disseram estar inscritos na Segurança Social e 97% têm atividade registada nas Finanças. Oitenta e sete por cento disseram estar inscritos em ambos os sistemas.

Porém, no cruzamento de dados, o OPAC constatou "desfasamentos, por vezes acentuados", nos quais os trabalhadores contaram mais anos de carreira artística do que de descontos para a Segurança Social e de registo de atividade nas Finanças.

"Em 48% dos inquiridos, o tempo de carreira artística supera o período de inscrição nas Finanças e em 59% ultrapassa o período de descontos para a Segurança Social, pondo em evidência situações de desproteção social", lê-se no relatório.

Para o observatório, o inquérito - que foi solicitado pelo Ministério da Cultura - revela uma "desadequação de ambos os sistemas à realidade laboral dos profissionais independentes das artes e da cultura", que é caracterizada por descontinuidade, interrupções de atividade, carreiras contributivas curtas e muito curtas.

Sobre a Segurança Social, os dados indicam que apenas um terço (31%) dos profissionais têm tantos anos de carreira artística como de descontos para a Segurança Social.

Segundo o OPAC, é nos profissionais mais velhos que se verifica um maior desequilíbrio entre tempo de carreira e presença na Segurança Social, ou seja, trabalharam mais anos do que aqueles em que fizeram descontos.

Cerca de metade dos profissionais (49%) apresenta carreiras contributivas muito curtas ou curtas com, no máximo, dez anos de descontos. A maioria dos trabalhadores, cerca de 84%, tem até 20 anos de contribuições.

Quanto à situação destes trabalhadores nas Finanças, 97% têm atividade inscrita, "embora isso não signifique necessariamente que se trata do setor artístico e cultural".

Coincidindo com os dados da Segurança Social, os profissionais com as carreiras mais longas, com mais de 20 anos, revelam ter um tempo inferior de atividade aberta nas Finanças.

Em 47% dos inquiridos os anos de carreira artística coincidem com os anos de inscrição nas Finanças.

A realidade de intermitência associada à Cultura está plasmada neste inquérito: "Aproximadamente um em cada três profissionais (37%) interrompeu alguma vez a sua atividade profissional no setor", com a maioria (66%) a justificar a decisão com a "falta de trabalho remunerado".

"A situação de pandemia poderá ter contribuído significativamente para esta elevada percentagem", alerta o OPAC.

São identificados ainda motivos relacionados "com o custo da manutenção das obrigações com a Segurança Social e com as Finanças".

Os resultados do inquérito revelam ainda a "desadequação, desatualização e falta de harmonização" entre Segurança Social, Finanças e Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) sobre como designar as diferentes atividades relacionadas com as Artes e a Cultura.

Segundo o inquérito, verifica-se "um desajuste dos códigos CIRS [Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares] face à realidade do setor cultural e artístico – uma vez que não permitem saber com o detalhe que seria desejável qual a área em causa".

Para inscrever a atividade na IGAC, um trabalhador tem opção de escolha entre 46 atividades, de uma lista "criada especificamente e sem aparente articulação" nem com a Classificação das Atividades Económicas (CAE), na Segurança Social, nem com o CIRS, nas Finanças.

O inquérito revela que apenas 16% dos inquiridos disseram estar inscritos na IGAC e "o registo tem menor adesão entre os mais jovens do que entre os mais velhos".

Quanto ao predomínio de atividades, na Segurança Social as atividades mais citadas como tendo um CAE principal são "atividades de artes e espetáculos" (14,4%) e "criação artística e literária" (14,3%). Nas Finanças, os CIRS mais citados como principal são "artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão" (26,2%), "músicos" (15,7%) e "outros artistas" (9,1%). O CIRS "outros prestadores de serviços" representa 18,3%.

Este é o terceiro relatório elaborado pela OPAC, sob a coordenação de José Soares Neves, a partir de um inquérito aos profissionais independentes da Cultura, o primeiro do género a ser feito em Portugal e que contou com uma amostra de 1.727 profissionais independentes.

Os dois relatórios anteriores indicavam que o rendimento mensal líquido de metade dos trabalhadores independentes da Cultura fica abaixo dos 600 euros, e perto de 20% ganham menos de 150 euros, e que perto de quatro em cada 10 trabalhadores independentes da Cultura são prestadores de serviços sem qualquer contrato.

Em junho de 2020, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, anunciou a intenção de promover um inquérito a todos os profissionais do setor e um mapeamento do tecido cultural, que serviriam de análise, atualização e adaptação dos regimes dos contratos laborais destes trabalhadores.

Quanto ao emprego no setor cultural português, segundo os números divulgados em junho de 2020 pelo Ministério da Cultura, os 160.600 trabalhadores existentes em 2018 representavam então 3,3% do emprego total, o que colocava o país em quarto lugar, com o menor peso de emprego cultural, na União Europeia.

Segundo os dados, em Portugal, uma em quatro pessoas trabalha em atividades culturais por conta própria, de forma independente, uma proporção "significativamente superior à que se verifica para o total do emprego”.