Anna Burns, a primeira escritora da Irlanda do Norte e a quarta mulher a vencer o prémio nos seus 25 anos de história, sucede à norte-americana Emily Ruskovich, vencedora da edição do ano passado, com o romance "Idaho".

"Milkman", um romance "internacionalmente aclamado" e "muito bem recebido por milhares de leitores" que venceu o prémio Booker em 2018, foi classificado como um livro "original", "divertido", "único" e "desarmante", segundo a organização.

O júri de 2020, presidido por Chris Morash, professor do Trinity College Dublin, afirmou: "a leitura deste livro é uma experiência imersiva. Uma vez experimentado, 'Milkman' de Anna Burns nunca mais será esquecido. O leitor torna-se o mundo do livro. Simplesmente não havia outro romance como este na 'longlist'. Muitos romances vêm e vão, mas este 'tour-de-force' é um feito notável. Lemo-lo com enorme admiração e gratidão, e quando o terminámos, sentimo-nos enriquecidos, informados, mais sábios".

Composto também por Yannick Garcia, Shreela Ghosh, Niall MacMonagle, Cathy Rentzenbrink e Zoë Strachan, o júri, que votou unanimemente "Milkman" como vencedor, acrescentou ainda que "uma descrição do que este livro original trata não lhe faz justiça. O seu brilhantismo reside na sua voz convincente e questionadora, no seu narrador forte e resiliente, na sua evocação de lugar, na sua atmosfera assustadora e sinistra, na sua descrição daquilo a que Burns chama vidas de 'cuidado nervoso'".

Imediatamente após o anúncio do prémio, que decorreu na abertura do Festival Internacional Literário de Dublin, Anna Burns afirmou ser uma "honra extraordinária" ter sido escolhida de entre uma lista "fantástica" de obras e autores.

A escritora destacou o papel das bibliotecas e a importância que tiveram para a sua formação como leitora e escritora, recordando quando em criança, em Belfast, regateava cartões da biblioteca com os meus irmãos, os amigos, os vizinhos, os pais e até com a tia.

"Milkman" é uma história feita de rumores e falatório, de aceitação e resistência, de silêncio e surdez intencional, que decorre no auge dos conflitos entre as duas irlandas e que espelha o que de pior há no ser humano.

Editado em Portugal no ano passado pela Porto Editora, a história deste romance passa-se numa cidade sem nome, em que a irmã do meio de uma família, protagonista do enredo, empenha-se em evitar que a sua mãe descubra a identidade do namorado e em não dar explicações sobre os encontros com o leiteiro. Mas quando um cunhado descobre a situação e começa o rumor, a irmã do meio torna-se "interessante", a última coisa que queria ser, porque nesta cidade ser interessante é perigoso.

Através desta história, a narradora partilha com o leitor a sua vida, profundamente marcada pela violência física e psicológica.

Para além da vencedora, a ‘lista curta’ do prémio que distingue obras escritas em inglês ou traduzidas para aquela língua incluía a polaca vencedora do Nobel da Literatura Olga Tokarckzuk, com a obra "Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos", a britânica Pat Barker (“The Silence of the Girls”), a franco-iraniana Négar Djavadi (“Disoriental”), a canadiana Esi Edugyan (“Washington Black”), a norte-americana Tayari Jones (“An American Marriage”), o francês Édouard Louis (“History of Violence”), a norte-americana Sigrid Nunez (“The Friend”), o nativo americano Tommy Orange (“There There”) e a indiana Anuradha Roy (“All the Lives We Never Lived”).

A ‘lista curta’ do prémio, anunciada em setembro, deixou para trás o escritor angolano Ondjaki e os brasileiros Julián Fuks e Chico Buarque, que estavam entre os 90 autores da primeira lista de nomeados.

"Transparent City", versão inglesa de "Os Transparentes", de Ondjaki, "Resistance", versão inglesa de "A Resistência", de Julián Fuks e "My German Brother", versão inglesa de "O Irmão Alemão", de Chico Buarque, eram os títulos candidatos de autores de língua portuguesa.

O Prémio Literário de Dublin é organizado pela autarquia da capital da Irlanda e gerido pelas bibliotecas públicas da cidade, com um valor monetário de 100 mil euros, a serem entregues na totalidade ao autor da obra vencedora, se esta for escrita em inglês, ou, no caso de tradução, a dividir entre escritor e tradutor, no valores de 75 mil euros e 25 mil euros, respetivamente.

Os dez finalistas de 2020 foram escolhidos por bibliotecas públicas de Canadá, França, Grécia, Irlanda, Jamaica, Nova Zelândia, Polónia, Reino Unido e Estados Unidos.

O escritor angolano José Eduardo Agualusa foi distinguido com este prémio, em 2017, pela tradução inglesa do romance "Teoria Geral do Esquecimento".