"O Corvo – O Despertar dos Esquecidos", editado pela Ala dos Livros e apresentado na mais recente edição do Coimbra BD, decorrida entre 25 a 28 de abril, revela mais um exemplo de altruísmo da personagem de culto, agora a juntar-se ao quotidiano de um grupo de idosos.

Iniciadas com "O Corvo" (1994), estas aventuras em cenário invariavelmente lisboeta e bairrista tiveram continuação em "O Corvo – O Regresso" (2003), "O Corvo – Laços de Família" (2007), "O Corvo – Inconsciência Tranquila" (2020), "O Corvo – Inimigos Íntimos" (2021) e "O Corvo – O Silêncio dos Indecentes" (2023). Mas nenhum dos álbuns anteriores encontrou o alter ego de Vicente tão próximo do papel de super-herói bem-sucedido, assinala Luís Louro em entrevista ao SAPO Mag. E também nenhum trouxe uma dose generosa de extras, com um prefácio assinado pelo divulgador de BD Francisco Pedro Lyon de Castro, nove páginas protagonizadas pelos fãs, recortes de imprensa, um olhar sobre a evolução da personagem ou a revisitação das capas de todos os volumes.

Luís Louro

Na conversa por videochamada, o desenhador, argumentista e fotógrafo que se distinguiu em vários outros títulos (de "Alice" a "Coração de Papel" ou "Dante") falou sobre as origens de uma figura atípica na BD que se faz por cá, deixou a sua visão de Lisboa de ontem e de hoje, recordou outra das suas personagens icónicas e também se pronunciou sobre a relação com os fãs, o recurso à internet e à tecnologia ou o movimento woke. Pelo meio, anunciou uma novidade dirigida aos mais novos.

SAPO Mag - Está agora a celebrar os 30 anos do Corvo com um novo álbum. Como surgiu a ideia para este livro? Foi uma coincidência ter sido editado nesta altura dos 30 anos?

Luís Louro - Tenho feito ultimamente, desde que voltei em 2020, um álbum por ano. A não ser quando faço um álbum diferente, como foi o caso do "Dante". E desta vez, pela primeira vez, fiz dois álbuns do Corvo seguidos, porque quando acabei o seis estava com tanta vontade de fazer o Corvo, que quis fazer mais e, por coincidência, lembrei-me que o Corvo fazia 30 anos, portanto era uma data perfeita para fazer dois álbuns seguidos. Daí eu ter aproveitado para fazer aquele convite aos leitores, que têm sido tão fieis e tão carinhosos, a colaborar comigo e a celebrar os 30 anos juntos.

Esses 30 anos têm direito a uma edição especial, que inclui essa participação dos leitores. Como se proporcionou?

Foi muito divertido porque é sempre engraçado lançar o desafio e depois ver a malta a participar. Cada vez que recebia uma foto, partia-me a rir às gargalhadas, porque há de facto fotos que são hilariantes, não é?

O Corvo
créditos: Luís Louro

Este álbum também tem uma temática inédita nas aventuras do Corvo, que é a questão do envelhecimento. Como se pode ler no prefácio do livro, o Corvo não envelhece, mas aqui lida com o envelhecimento. Essa ideia já estava presente há muito tempo como um tema a explorar nas histórias do Corvo?

Essa ideia já estava presente há bastante tempo. Eu andava com ideias de explorar este tema, porque o Corvo faz sempre uma crítica social, e este é um tema que acho pertinente. E pensei "Olha, se calhar está na altura de eu fazer isto". Nem de propósito, este álbum, para além de ser comemorativo de 30 anos, também é dedicado à terceira idade, e onde por graça homenageei a minha mãe, que está numa das páginas. Mal sabia eu que ela não ia chegar a ver o álbum publicado... Portanto, é um álbum que tem significado muito especial para mim nesse aspeto.

Recuando agora 30 anos, como é que começou a esboçar essas primeiras ideias para a personagem? E a imaginá-la como lisboeta de uma certa Lisboa muito específica, que está sempre associada às suas histórias?

Tudo começou porque na altura, nas edições Asa, iam lançar uma coleção nova sobre histórias do Lisboa e queriam uma colaboração minha e do meu argumentista da altura. Nós começámos a fazer o projeto que entretanto ele, por razões profissionais, não teve hipótese de continuar. E eu tinha tanta vontade de participar neste projeto das histórias de Lisboa que resolvi avançar sozinho pela primeira vez, cheio de pânico, a tremer por todos os lados, pela primeira vez fazer o papel de argumentista, e resolvi criar um herói que tivesse que ver com Lisboa. E surgiu, lá está, o nome, porque o Corvo é o símbolo de Lisboa. E o nome do seu alter ego é Vicente é porque Vicente é o nome de Corvo também. A ideia era fazer um álbum, uma brincadeira só para poder participar nessa coleção das histórias de Lisboa. Só que a adesão do público foi tal que acabei por fazer mais e depois mais outro, mais outro, e agora, de repente, o Corvo está no sétimo álbum. Tornou-se uma espécie de herói de culto em Portugal, o que eu acho um piadão... toda a gente adora o corvo. Costumo dizer que o Corvo não é herói, é anti-herói, porque só faz disparates. Mas pela primeira vez, nem de propósito, neste álbum, nos 30 anos, o Corvo é um herói.

O Corvo
créditos: Luís Louro

Custou, mas foi...

É verdade. Foi difícil, foi preciso 30 anos, mas ele chegou lá. Vamos lá ver, a partir de agora, se ele começa fazer as coisas bem...

Isso quer dizer que há a ideia de continuar a contar as aventuras do Corvo sem fim à vista? Quais são os planos?

Os meus planos eram chegar ao álbum. Eu tenho personagens e álbuns que têm princípio, meio e fim, e pronto, e passou, passou, e alguns ficam datados. O Corvo dificilmente ficará datado, porque está constantemente a fazer crítica social a temas reais, e portanto, há sempre hipóteses de fazer histórias com ideias diferentes.

Ao longo desses sete álbuns, temos visto sempre o Corvo numa Lisboa muito característica. Isso não tem mudado nas histórias, embora essa Lisboa tradicional já não seja assim tão visível hoje em dia em alguns bairros. Isso também é uma preocupação, olhar para esta Lisboa que acolhe mais turistas? Ou prefere mesmo a vertente mais clássica e idealizada?

Já pensei nisso. A questão desta Lisboa mais clássica, mais tradicional, aqui tem dois lados. Primeiro, é a Lisboa mais bonita, que eu acho mais interessante. Segundo, porque evita que eu tenha de ir para as avenidas grandes e desenhar cenas cheias de automóveis e tudo o mais, que isso era uma trabalheira e não gosto nada de desenhar isso. Esta Lisboa clássica dá sempre imagens muito mais interessantes e mais bonitas. Isso é uma das razões porque eu me refugiei nesta Lisboa típica. Depois, em relação ao lado turístico, no sexto álbum já se fala nisso, porque de facto já está incomportável sobreviver nesta Lisboa. Portanto, há sempre essa parte de crítica.

O Corvo
O Corvo em 1994 créditos: Luís Louro

E como olha para esta personagem, passados 30 anos? Já disse que é uma das suas personagens que as pessoas mais gostam, por ser um anti-herói português. Mas de que forma olha para o trajeto, desde aquela altura em que começou, como relembrou, ainda com incerteza e não muito confiante por ser a primeira vez que escrevia e desenhava?

Vejo com muito orgulho e muita paixão, porque o Corvo, para mim, é uma personagem muito especial, porque acaba por ter muito de mim, em termos de personalidade. E portanto vejo-o, de facto, com muita paixão. E é engraçado que quando comecei o Corvo, ainda nem tinha 30 anos, e agora, ao fim de 30 anos, o Corvo continua. Tem crescido comigo, apesar de o sacana não envelhecer e eu já estar aqui a ficar cota. Mas tirando isso, tem sido prazer enorme ver a personagem a crescer. A grande vantagem de fazermos uma série de histórias é que, história a história, vamos conhecendo o personagem e vamos sendo surpreendidos. Eu, como autor, também vou sendo surpreendido por algumas coisas da personagem, vou descobrindo cada vez mais a personalidade dele. E isso é uma das grandes vantagens de uma série em relação a filme: podemos desenvolver muito mais uma personagem. Aqui acaba por ser o mesmo, em relação a um álbum isolado ou dois, temos uma série mais longa que permite que possamos ir descobrindo a personagem, ir desenvolvendo o carácter e a personalidade do Corvo e de outras personagens e inclusive misturar personagens de outros álbuns meus, que não têm nada que ver com o Corvo, que vou misturando e fazendo esta brincadeira que já vai sendo conhecida como o Louroverso.

Sim, personagens de outros álbuns, ou mesmo personagens da vida real, como a sua mãe, como mencionou, mas também há trocadilhos com o nome Rui Reininho, que inspira uma das novas personagens, um dos idosos do lar. Voltando à altura em que o primeiro álbum surgiu, Lisboa era bastante diferente, mas a tecnologia também. A internet estava a dar os primeiros passos. De que forma é que as mudanças tecnológicas foram alterando a forma como cria estas histórias? Há uma brincadeira em torno disso no novo álbum, onde menciona que faz praticamente tudo, desde a legendagem ao desenho, arte final, colorização... Como foi aproveitando estas possibilidades tecnológicas ao longo deste percurso? E até mesmo da internet enquanto canal de comunicação... como é que mudou a relação com os leitores?

Primeiro, em relação à internet, é óbvio que é uma vantagem recorrer às redes sociais, o poder estar em contato direto com os leitores, coisa que antigamente só poderia acontecer num festival de banda desenhada, com as pessoas que se deslocariam ao festival. E neste momento posso estar em contacto com pessoas que estão, inclusive, fora do país, o que também acontece, também seguem o Corvo. Isso é fabuloso, talvez por isso haja agora uma relação diferente com os leitores, que têm sido espetaculares.
Em relação à internet, no primeiro álbum do Corvo tinha de ir para Lisboa com uma máquina fotográfica ao ombro, andava para ali a tirar fotografias. Neste momento, basta-me levar o telemóvel e é muito mais fácil fazer as coisas. Confesso que nunca tinha sido tão mandrião como nestes últimos dois álbuns, não me apeteceu ir para Lisboa outra vez, então tirei partido, precisamente, não só do banco de imagens que já tinha criado, mas da internet. É muito fácil, através da internet, pesquisar imagens de Alfama, da Mouraria, ir ao Google Maps e andar a passear pelas ruas e fazer print screen. E fugi um bocadinho de Lisboa, porque uma vez em que fui estavam tantos turistas, tantos turistas... E depois, inteligente como sou, fui em julho, num dia à tarde, e ia morrendo de calor. Noto que de facto há muitos turistas, é uma Lisboa muito diferente. Mas, por outro lado, temos de ver o copo meio cheio e eu também vejo uma Lisboa reconstruída, mais bonita.
Em 1994, quando fui lá fazer as fotos para o Corvo, fazer a pesquisa, havia muitas zonas degradadas, muitos prédios muito sujos, muito estragados. Neste momento aquilo está belíssimo. Portanto, temos de ver esse lado positivo. Ok, é turístico, é para inglês ver, como se costuma dizer, mas está bonito. E isso dá-me prazer quando ando lá, poder andar à vontade pelos bairros mais recônditos sem o medo que tínhamos antigamente, sobretudo quando era garoto e ia para esses bairros com medo de sair de lá sem as calças ou uma coisa assim. E agora é mais fácil, pronto, é tudo mais fácil. Há que ver também o lado mais positivo das coisas.

Luís Louro

Em que medida tem aproveitado as ferramentas digitais para a criação do Corvo, desde o primeiro álbum? Nota uma diferença muito grande, ao editar o sétimo, face ao primeiro?

Tremenda, até porque nos primeiros álbuns eram, se poderei usar a palavra, analógicos, não é? Portanto, era tudo feito com papel, caneta e tal, e depois o pior era a parte da cor, que era o que realmente mais realçava o nosso trabalho, que era feito com aerógrafo e aquilo era uma trabalheira tremenda. Ao fim de uma semana, já andava a abrir as janelas, mesmo usando uma máscara. Aquilo era tóxico, deixava cheiro em casa. E muitas vezes, depois, quando eu estava a pintar com aerógrafo, às vezes os resultados não eram bem os que eu estava à espera, porque aquilo ia ficando opaco, eu deixava ver o que estava por baixo e às vezes já ia um bocadinho assim à sorte. E agora, com as novas tecnologias, com o digital, comecei por dar a cor digitalmente, que é uma vantagem. Não tenho palavras para descrever, porque de facto posso voltar atrás, posso experimentar a cor com novos e alucinantes efeitos de luz que na altura teria medo de experimentar, porque se me enganasse, tinha de fazer tudo outra vez, porque pintava no original diretamente.
Então comecei por dar cor digitalmente e adaptei-me de tal maneira que neste momento estou, inclusive, a fazer o desenho também digitalmente. Ou seja, faço na mesma o esboço todo a lápis em papel, mas depois fotografo o esboço, passo para o computador e a partir daí, começo a fazer a arte final digitalmente, que também é uma grande vantagem, porque muitas vezes a gente faz borrada e só no dia a seguir é que se apercebe. E assim é muito fácil corrigir. "O que é que eu fiz aqui? Isto está horrível, está tudo torto, está mal, a proporção não está correta". E hoje em dia é muito fácil.

Luís Louro

E quanto à forma de fazer BD e de, sobretudo, editar e divulgar BD? Nota que é mais fácil fazê-lo agora, tendo, por exemplo, a internet como uma ferramenta essencial, conseguindo falar diretamente com com quem lê? Por outro lado, também há mais opções de entretenimento, as pessoas têm acesso a mais filmes, mais música, mais séries, o que não acontecia nos anos 1980 e 1990. Tem notado decréscimo de público com a chegada destas plataformas ou ainda encontra muito público fiel à BD, cá em Portugal?

Há, de facto, público muito fiel, mas é público limitado, digamos assim. Ou seja, não é o público que nós gostaríamos. E, de facto, porquê? Porque hoje em dia há tanta tecnologia, tanta coisa, que as pessoas dispersam e acabam por ter outros gostos. Para além disso, há outro factor importantíssimo: hoje em dia publicam-se milhares de títulos em Portugal de banda desenhada, quando na altura havia meia dúzia. Ou seja, mesmo para os amantes de banda desenhada, a bolsa não dá para tudo e dispersam-se por uma série de autores portugueses e estrangeiros. E antigamente, o que se publicava não tinha comparação. Basta ver que as tiragens na altura eram o triplo do que são agora, e vendiam, e esgotavam, porque não havia tanta oferta. Neste momento, a oferta é tanta que acaba por ser complicado.

Apesar disso, tem tido uma atividade regular, não só com o Corvo, mas com outras personagens. E recuperou, em 2015, uma personagem que tinha criado com Tozé Simões, nos anos 1980s, Jim del Monaco, que está quase a celebrar 40 anos. Estão a pensar fazer alguma iniciativa especial, à semelhança do que está a acontecer agora com o Corvo?

Sinceramente, não pensei nisso. Nós fizemos isso quando foram os 30 anos, em 2015, fizemos um álbum e depois acabámos por fazer mais outro, porque ainda tínhamos uma ideia na altura que nunca tínhamos chegado a fazer. Neste momento, lá está... Não gosto de dizer "Desta água não beberei". Mas na realidade, em termos de Jim del Monaco, acho que se calhar, pronto, teve a sua época e não me estou a ver, neste momento, a fazer novamente. Não só porque é complicado, porque a personagem acaba por correr o risco de ficar datada, mas como tenho outros projetos, não só o Corvo, vou tendo outras ideias de coisas isoladas. E também já me habituei a trabalhar sozinho. Para mim é mais fácil. Por um lado é mais complicado ter de fazer o papel de argumentista, ter de criar as histórias, ter cabeça para isso tudo, mas por outro lado, para mim é mais confortável, porque posso dirigir a história para onde eu quiser, para o que me apetece desenhar na altura... Não tenho de estar à espera de terceiros para me entregarem o texto, já sofri muito com isso. Tenho um ritmo de trabalho bastante rápido, e por vezes querer desenhar e não ter texto, e ter de estar à espera que a pessoa tenha disponibilidade, é um inferno. E portanto, não estou a ver... Mas não quer dizer que não possa acontecer, sei lá, se de hoje para amanhã nós acordarmos, voltarmos a falar e olha...

Jim del Monaco
Jim del Monaco créditos: Luís Louro

Diz que Jim del Monaco é uma personagem um pouco datada, mas numa altura se fala tanto da questão da colonização, essa já era uma personagem que olhava de uma forma crítica para essa questão. Como é que olha para essas histórias? Acha que envelheceram bem, que esse lado satírico ainda está bastante presente?

Acho que envelheceram bastante bem e as pessoas estão sempre a falar-me do Jim del Monaco, que adoram o Jim del Monaco, quando é que volta o Jim del Monaco? E o que é engraçado é que muita gente diz "Pois, mas aquele Jim del Monaco hoje em dia era logo cancelado, aquilo era um bocado politicamente incorreto e tal. E agora, com este movimento woke, esta estupidez mundial, este momento idiótico que nós estamos a viver, não sei se seria fácil para o Jim del Monaco. Mas eu gosto de andar no fio da navalha, portanto isso para mim não me preocupa. Até achava mais divertido ser um bocadinho mais corrosivo do que o costume, para mim não fazia diferença nenhuma.

Luís Louro
Luís Louro com a mulher do capitão

Por falar no movimento woke, li um comentário na sua na página do Instagram no qual uma utilizadora dizia apreciar muito o seu traço, mas que não se revia nas mulheres que desenhava porque as considerava muito parecidas e que não representavam a diversidade feminina. E muitas das suas personagens femininas são muito voluptuosas, desde a Gina do Jim del Monaco, por exemplo, até à Alice, e outras que vemos nas aventuras do Corvo. Não respondeu ao comentário, mas como reage a essa observação?

Por acaso, não vi, mas não tenho problema em responder, obviamente. Vamos lá ver, eu não estou aqui para representar ninguém. Portanto, eu não tenho de representar diversidade feminina, eu não tenho de representar nada. Eu tenho de representar o que me apetecer e eu desenho o que me apetece. E é assim que eu gosto de desenhar as mulheres, é assim que eu acho graça desenhar as mulheres. Elas são voluptuosas, mas algumas têm o peito mais descaído, ancas mais largas, gordurinha na barriga, eu gosto de desenhar mulheres naturais também e não bonecas de encher. E talvez por isso, não sei, as minhas bonecas saltem de facto à vista. Todos os fãs me estão sempre a falar nas bonecas, não há fã que não me fale no corpo, que não me fale da mulher do capitão, quando é que há mais cenas com a mulher do capitão, que adoram a mulher do capitão. Mas lá está, é a maneira como eu gosto de desenhar as bonecas, como eu sei desenhar as bonecas, e não estou aqui para agradar a ninguém, eu faço isto porque gosto.
Se as pessoas se identificam com as minhas bonecas, ótimo. Se há pessoas que nem tanto, eu não lamento, mas de facto é o meu traço, portanto, não sinto nenhum compromisso em ter de representar alguém. Até porque se nós fomos a ver, quem é que nós conhecemos que desenhou uma heroína como eu desenhei a minha Viúva Negra, acima dos 100 quilos e com uma sensualidade brutal? Aquela mulher é mais do que sexy, deixa os homens todos loucos, e não é um estereótipo de mulher. Gosto de desenhar essas bonecas assim, como gosto de desenhar a boneca da mulher de capitão, que é uma provocadora, como tenho desenhado, por exemplo, nos "Watchers" e no "Sentinel", a personagem principal, a Irene, uma mulher que de voluptuosa não tem nada, por exemplo. Lá está, eu vou variando, mas é um facto que as bonecas... Olha, parafraseando um colega meu, com quem ainda há pouco estive no Coimbra BD: "As tuas bonecas parece que saem do papel, que são em 3D".

O Corvo
O Corvo com a Viúva Negra créditos: Luís Louro

Entretanto, disse que estava sempre a pensar em vários projetos. O que é que tem em vista para os próximos tempos, depois desta aventura do Corvo?

Das aventuras do Corvo, para já, não tenho nada em vista. Estou agora com outro projeto em mãos de álbum isolado, até para descansar um bocadinho do Corvo, que eu nunca tinha feito dois álbuns seguidos, portanto três já seria também demais. Convém também variar um bocadinho. Também tenho outro projeto que está ligado ao Corvo, que será para sair ainda ano, espero, "O Corvinho - O Menino que queria ser Herói". Aventuras do Corvo para crianças, um livro infantil, sobre como o Corvo foi em criança, em pequenito. São aventuras, historinhas... E isto é uma das coisa que eu estou a dar em primeira mão à imprensa. É mesmo em primeira mão. (risos) E para mim está delicioso, porque as cores são garridas, o traço é mais fofinho, eu acho que está giríssimo. São mini-histórias de quatro páginas, têm sempre uma moral no fim, é mesmo um livro típico para crianças, era uma coisa que já há muito tempo que andava a pensar em fazer.
Os próximos álbuns do Corvo assustam um bocadinho, porque está toda a gente a dizer que este é o melhor até agora, toda a gente adorou esta história, e portanto, como deve ficar claro, entrei em pânico ao pensar no que vou fazer a seguir. Já sei que vão comparar com este, dizer: "Ah, pois, mas o sétimo era melhor, o sétimo era melhor". Faça o que fizer, estou desgraçado.

Corvinho
O Corvinho créditos: Luís Louro

Falando agora da perspetiva de leitor, continua a ser leitor assíduo de banda desenhada? Como como é que é a sua rotina nesse sentido?

Isso é um tema complicado, porque há pessoas que levam a mal a resposta que vou dar. Mas eu não sou leitor de BD, nem assíduo, nem nada. Eu não leio BD já há muitos anos. Talvez por isso tenha conseguido encontrar um caminho muito próprio e traço muito próprio, que é facilmente identificável, e não tenho propriamente referências de ninguém. Isso foi muito bom. Mas foi uma coisa inconsciente. Isto porquê? Porque eu passo por vezes 12 horas ao estirador a fazer BD. E portanto, quando depois tenho tempo livre, eu não quero ler BD, eu quero ver filmes, quero ver séries, quero ler livros, quero ir fazer desporto, quero ir estar com amigos. Portanto, a BD ocupa tanto espaço, e tanto espaço não só temporal como espaço mental na minha cabeça, que sempre que tenho um tempinho livre, quero é fazer outra coisa. Mas curiosamente, nestes últimos tempos, já dei por mim ler um livro ou outro e parece que o bichinho pode estar a voltar. E há uma ou outra coisa que já cheguei a ler e até estou ansioso que saia o próximo volume e tal, mas não sou, de facto, leitor assíduo de BD.

Nesse caso, leu algum livro ou viu algum filme ou série que o tenha surpreendido especialmente nos últimos tempos?

Tenho visto, claro. Em termos de séries, vejo muitas... Fujo das séries americanas, gosto de ver séries europeias, séries nórdicas, sobretudo policiais nórdicos. Gosto de séries de ficção científica. Estou a ver, por exemplo, "The Expanse", e estou a gostar imenso. Claro que vi o "A Guerra dos Tronos" e sou o fã número um, continuo a achar que é a melhor série de sempre, que dificilmente irá ser ultrapassada. Vamos passando pela Netflix, passe a publicidade, e vamos vendo uma série aqui ou ali e descobrindo coisas novas.. Eu sou um bocadinho eclético, vejo tudo, tirando telenovelas. Gosto de ver séries da maioria dos temas. Tirando de drama, não acho muita piada. Agora tudo o resto, aventura, policial, gosto de tudo, basicamente.

Luís Louro

A propósito de séries e filmes, nunca houve a ideia de fazer saltar o Corvo para outro formato?

A ideia houve desde o primeiro traço do Corvo. Qualquer autor sonha com isso, mas não é uma coisa fácil de acontecer, sobretudo no nosso país. A gente continua a sonhar, mas quem sabe um dia...

Para já vem o Corvinho, então...

Pois, para já vem o Corvinho, o Corvo agora atira-se para outro público. Uma faixa mais jovem é bom porque não só eu estou a fazer uma coisa de que gosto, como é uma maneira também de cativar a malta mais nova para depois, uns anos mais tarde, aderirem à BD, porque quem se habituar e crescer com as aventuras do Corvinho, obviamente, vai ter interesse em ver as aventuras do Corvo. E agora, curiosamente, no Festival de BD de Coimbra, o meu editor fez um Corvo em tamanho real, com um buraco na cara para as pessoas meterem a cara, e tirarem fotografias. E aquilo com os miúdos nas escolas foi sucesso, aquilo era filas, os putos todos a querer lá meter a cara e tirar fotografias com o Corvo. Isso é giro, lá está. Portanto, é também uma maneira de cativar os miúdos para não pensarem só nos tablets e nos jogos.