"Na maior parte das séries, há um vilão, um antagonista. Na nossa, o espaço ocupa esse papel", assinala Dean Devlin, que criou "The Ark" com Jonathan Glassner (produtor de três temporadas de "Stargate SG-1" e argumentista e realizador de várias encarnações de "CSI").
"O espaço está constantemente a tentar matar-nos. Talvez não de forma intencional, mas pela sua própria existência. E o espaço, na nossa série, é uma personagem. É a ameaça que os protagonistas enfrentam todos os dias", acrescenta o norte-americano que também é um dos showrunners, produtores executivos, realizadores e argumentistas da nova aposta do Syfy, já renovada para uma segunda temporada.
Mais uma série de ficção científica? Na apresentação virtual de "The Ark", na qual o SAPO Mag esteve presente, Devlin confessou que esta aventura é "uma carta de amor ao género", a sagas que o inspiraram e entusiasmaram, mas que propõe uma abordagem distinta. Além de o antagonista não ser uma figura concreta, a premissa desta história parte de uma pergunta: e se a nave, o principal cenário da ação, só estivesse ocupada por pessoas que não estão preparadas para a habitar e coordenar?
A série, ambientada no espaço sideral 100 anos no futuro, arranca com uma catástrofe que destrói parte da nave Ark One e provoca a morte de mais de metade da tripulação. "Nenhum dos sobreviventes é líder ou técnico de topo", avança o cocriador, e os protagonistas, interpretados por nomes como Christie Burke ("Maid"), Richard Fleeshman ("The Sandman"), Reece Ritchie ("The Outpost") ou Christina Wolfe ("Batwoman"), "pensavam que iriam ser treinados pelos seus heróis".
"Esta é uma série sobre como as pessoas reagem face a uma crise, sobre as diferenças filosóficas da liderança e da sobrevivência, mas sobretudo sobre como é que as pessoas se tornam as melhores versões delas próprias", descreve o nova-iorquino que já tem um longo currículo em torno da ficção científica, tanto no pequeno como no grande ecrã (na televisão passou por "The Librarians" ou "The Outpost", no cinema foi um dos argumentistas de "Stargate", "O Dia da Independência" ou "Godzilla", todos dirigidos por Roland Emmerich, e estreou-se na realização com "Geostorm - Ameaça Gobal").
Devlin sublinha que pretendeu desenhar, desde o arranque, um ambiente "de panela de pressão na qual cada decisão é de vida ou de morte". "Queríamos atirar o espectador para esta viagem. O espectador acorda com as personagens. Tentamos apresentar as personagens pela forma como se comportam numa situação de grande pressão", esclarece.
Talvez por isso, confessa que "a primeira cena do primeiro episódio foi a mais difícil". "Tivemos de lidar com a gravidade, com cenários destruídos, foi tecnicamente muito difícil de concretizar. E julgo que foi a primeira que filmámos com todos os atores, por isso eles ainda não se conheciam muito bem. Houve muita coisa a acontecer logo ao início".
"A nossa série não é sobre os efeitos especiais"
Além das dificuldades técnicas, apostar numa aventura destes contornos é sempre dispendioso, realça. "Quero mostrar muitas coisas no ecrã mas temos um orçamento muito apertado. (risos) Tentei utilizar todos os truques que aprendi e que o Jon Glassner aprendeu sobre como fazer mais com menos. E isso foi divertido, desafiante e difícil", explica. "Mas está tudo bem porque a nossa série não é sobre os efeitos especiais, não é uma série com o formato do monstro da semana, não tem combates com lasers, o foco são as personagens. Por isso, tentámos apresentá-las num ambiente estimulante, seja mais claustrofóbico ou mais surpreendente".
Nesta "carta de amor" assumida à ficção científica, há referências que são evidentes logo aos primeiros episódios e que Devlin abraça, embora o cocriador também destaque uma hoje algo esquecida. "Obviamente, há a inspiração da 'Star Trek' original, 'Espaço 1999', 'Battlestar Galactica'. Mas provavelmente, a maior foi um filme que pouca gente conhecerá, 'Silent Running', com o Bruce Dern, [estreado em 1972 e dirigido por Douglas Trumbull]. Muita gente diz que também inspirou os robôs de 'Star Wars'. Muita gente inspirou-se nesse filme", frisa.
Ainda assim, foi mesmo com uma icónica saga televisiva que a paixão pelo género se iniciou, muito por culpa das possibilidades temáticas que abria. "Quando era miúdo, a minha mãe era fã de 'Star Trek'. E essa série era sempre sobre o que se passava no nosso mundo. Era sobre a guerra do Vietname, embora nunca a tenha mencionado. Era sobre questões raciais, mas sem as mencionar. Há muitas questões que temos dificuldade em discutir publicamente nos dias de hoje. Às vezes, torna-se impossível termos uma conversa normal. Mas na ficção científica, podemos abordar estes assuntos de uma forma mais teórica. E é aí que encontramos território comum, soluções que nos permitem avançar. A ficção científica é sempre uma forma entusiasmante de contar histórias".
A primeira temporada de "The Ark" conta com 12 episódios e é exibida todas as segundas-feiras, às 22h15, no Syfy.
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