
20h50 – Foi a uma Márcia mais roqueira e muito bem-disposta que coube abrir o leque dos principais nomes desta noite. Com duas guitarras em palco, um baixo e uma bateria, o som dos instrumentos dominou as canções habitualmente temperadas pela guitarra acústica da cantora. A abrir, “Segredo”, do primeiro álbum, “Dá” (2011), que se apresentou aqui com novos arranjos, permitindo que a canção ganhasse mais cor.
Ao segundo tema da noite, um fã, que mal se continha na primeira fila, levantou-se e incentivou o publico a cantar e a pôr-se de pé para dançar. “Eu juro que não lhe paguei”, afirmou Márcia no fim, quando o fã se levantou e saiu da sala, talvez porque a emoção foi muita. Seguiu-se “Delicado”, do novo “Casulo”, que a cantora dedicou a um par de namorados que estava a celebrar o seu primeiro aniversário. Três temas depois, tanto do álbum “Dá”, como de “Casulo”, Márcia apresenta o seu primeiro convidado: Samuel Úria, que canta “Menina”, do mais recente trabalho de Márcia, para depois ser Márcia a acompanhar o músico em “Eu Seguro”, com este a enganar-se nos versos da sua própria canção, para gáudio da cantora. “Ele fez esta canção cheia de versos para eu me enganar, por isso, acho piada ser ele, hoje, a enganar-se”, riu-se Márcia.
Houve ainda tempo para mais dois temas - um deles, "Deixa-me Ir", com Márcia a referir o vídeo do realizador Miguel Gonçalves Mendes, antes de apresentar o segundo convidado: António Zambujo. Ao cantor alentejano coube a tarefa de dividir o tema “Vem” e a canção que Márcia cantou com JP Simões no primeiro álbum, “A Pele Que Há em Mim”. Uma fífia no microfone levou Márcia a apresentar a sua equipa técnica e António Zambujo a referir: “devo ter sido eu a fazer merda”.
Márcia soube entreter e conquistar com a sua simpatia o público que, pouco antes do fim, começou a sair para ver outros concertos. Sem vedetismos, a cantora trouxe o seu principal trunfo para palco: a voz doce e controlada.
21:07 - Um tapete antigo com o escudo da bandeira portuguesa serviu de pano de fundo ao palco montado no salão da Casa da Independência. E que melhor mote para os concertos dos D’Alva e Xungaria no Céu, projetos regidos sobre a máxima “música portuguesa cantada em português”?
Os D’Alva, coletivo liderado pelo jovem - 23 anos! - Alex D’Alva Teixeira, deram o tiro de partida no Palácio da Independência, numa altura em que a Avenida da Liberdade se encontrava ainda com o fluxo normal de uma banal sexta-feira à noite. A equipa do Palco Principal chegou ao espaço que fica de frente para a tradicional ginja do Rossio (boas recordações…) em cima da hora e ainda conseguiu assistir à reta final do concerto dos D’Alva. Por essa altura, Alex apresentava a sua banda à plateia - Ricardo Ramos (teclas), Vitor Azevedo (baixo), Ben Monteiro (guitarra), Gonçalo Almeida (bateria) - e pedia as últimas energias para o tema que se seguia. “Estão prontos para mandar a casa a baixo?”, questionou o jovem anfitrião. A resposta não podia ter sido mais positiva, e, ao som de “Barulho”, cantou-se, gritou-se, fez-se mosh, stage diving - uma explosão de loucura, portanto. Tempo ainda para chamar Capicua ao palco - “a melhor rapper feminina de Portugal”, segundo palavras de Alex D’Alva Teixeira - para rematar o momento com um par de estrofes e encerrar o concerto dos D’Alva, não sem antes ouvirmos Alex debitar umas últimas melodias vocais com a ajuda de um auto-tune.
22:00 – Os franceses Alba Lua apresentaram um concerto pautado, infelizmente, por muitos problemas de som, em que a bateria parecia rebentar e do sintetizador não saía som nenhum. Uma pena, uma vez que a parte instrumental é um dos pontos fortes desta banda que nos levou, muitas vezes, para o universo do rock dos anos 50/60, um som até distante do seu novo álbum, “Inner Seasons”, mais elétrico.
Os Alba Lua – cujo nome é uma mistura de espanhol com português e que se refere à lua da madrugada – souberam seduzir, aos poucos, muitos jovens ouvintes que se deslocaram à sala mais pequena do São Jorge. “When I’m Roaming Free”, ou o mais conhecido “Hermanos de la LLuvia”, levaram-nos a recordar o som uma banda igualmente muito jovem, os norte-americanos Avi Bufallo, talvez devido à ‘inocência’ com que cantam e tocam. Visivelmente apreciados pelo público português, esta é provavelmente uma das bandas que, depois de crescer, voltará a apresentar-se em solo nacional.
22:03 - Como é hábito, este festivais deixam-nos pouca margem para conseguirmos ver concertos na íntegra, e o relógio não nos perdoou aquando da atuação dos Xungaria no Céu. No entanto, do pouco que vimos, deu para perceber que este projeto tem como objetivo celebrar o sentimento de união entre os elementos de editoras como a Flor Caveira e a Azáfama - uma verdadeira confusão em palco que só consegue ser superada pela enorme vontade de fazer música e partilhar experiências com aqueles que militam, mais do que uma editora, um ideal. “Na Cabeça Levo a Festa” foi uma das canções que ainda conseguimos testemunhar. Era tempo de ir até ao Coliseu dos Recreios.
22:16 - As Savages subiram ao palco do Coliseu dos Recreios como um dos grandes nomes desta edição do Vodafone Mexefest. E não desiludiram. Sem demoras, o quarteto assumiu as suas posições nos instrumentos - numa altura em que ainda faltava entrar muita gente no espaço - e, à hora marcada, lançaram-se a “Strife”. A mistura sonora dos primeiros temas manifestou-se péssima, com a voz de Jehnny Beth a ser completamente abafada pela estranha miscelânea de instrumentos que nos chegava aos ouvidos: guitarras perdidas, baixos altíssimos (bem sabemos que é um dos instrumentos fundamentais do coletivo britânico, mas não era preciso tanto) e baterias estridentes. “Shut Up”, “I Am Here” e “City’s Full” foram os temas necessários para que a sala se apresentasse, finalmente, composta.
Numa primeira análise, este coletivo parece ter chegado uma década atrasado ao movimento revivalista do pós-punk. Mas não. Elas são, numa altura em que as bandas que impulsionaram tal expressão começam a perder força, a nova esperança e a nova aposta do género. E é deste sangue novo e sedento de afirmação que vem toda a atitude rock das Savages. No palco, Fay Milton espanca a bateria como se a sua vida dependesse de tal, Gemma Thompson não tira os olhos da guitarra e proporciona-nos exímios momentos musicais (no solo de “Waiting For a Sign” e no experimentalismo em temas como “I Need Something New”), Ayse Hassan saracoteia-se ao ritmo da linha de baixo que vai traçando, e Jehnny Beth consegue ter uma presença mais rock do que muitos que se afirmam reis do estilo. E a descarga de energia em “Hit Me” não foi mais do que uma prova de que estas meninas não estão aqui para brincar. “Was that loud enough? You want louder?”, pergunta a vocalista a dada altura do concerto, numa fase em que pensámos ser humanamente impossível aumentar um decibel que fosse no espaço. Nem tivemos tempo de responder à questão e, quando demos por nós, já “Husbands” e “Fuckers” estavam a ser disparadas - com distorções, feedbacks e outros efeitos macabros - em direção aos nossos ouvidos. Sem dó nem piedade.
22:33 - O metro de Lisboa à hora de ponta. Talvez esta seja a melhor forma de descrever o ambiente vivido à entrada da sala Super Bock Super Rock do Ateneu Comercial de Lisboa. No interior do espaço, por esta altura completamente à pinha, atuavam os Wavves, coletivo californiano liderado e orquestrado por Nathan Williams. Os Wavves injetaram no seu ADN uma boa parte do catálogo grunge da Sub Pop. Por isso mesmo é que a música que nos chega soa a uns Nirvana nascidos em Los Angeles e criados nas cristas das ondas das praias de Long Beach. Não quer dizer que isto seja mau, mas também não é bom. Ou melhor dizendo, não traz nada de novo, principalmente quando o quarteto tenta forçar uma atitude em palco que já não é, de todo, genuína. Uma espécie de “Live at the Paramount” dos tempos modernos, com muito vinho à mistura, expressões rebeldes e uma postura muito pouco natural. Se juntarmos a isto tudo o facto do som estar alto e estridente - ou por outras palavras: completamente intragável -, então podemos afirmar, com toda a certeza, que os Wavves foram os principais responsáveis por o espaço ter esvaziado aos poucos. Siga para Woodkid.
23:00 – John Grant era, sem dúvida, um dos cabeças de cartaz desta primeira noite e soube responder na medida certa. O público delirou e Grant emocionou-se com o carinho demonstrado pelos portugueses, que não se cansaram de fazer declarações de amor ao longo do, infelizmente, breve concerto.
O músico norte-americano soube saltar dos temas mais elétricos, como “You Don’t Have To”, a abrir o concerto, ou “Pale Green Ghosts”, que deu nome ao mais recente trabalho, para depois entrar em registos mais calmos, quase etéreos, como “It Doesn’t Matter to Him”.“Olá, estou muito feliz por, finalmente, ter a oportunidade de vir tocar a esta linda, linda cidade”, disse John Grant, antes de apresentar a sua banda, composta por músicos islandeses, uma vez que John Grant vive atualmente nesse país.
“Marz”, do anterior álbum, “Queen of Denmark” (2010), foi um dos momentos mais bonitos da noite, com a voz de John Grant a emocionar a plateia, quase sempre acompanhada apenas por piano. E esta letargia de movimentos continuou com o tema seguinte, “It Doesn’t Matter to Him”.
Com “Black Belt”, Grant conseguiu que toda a gente se levantasse e dançasse, levando o músico a emocionar-se: “Vocês são realmente maravilhosos! Realmente maravilhosos!”.Antes de passar para “Great Mother Fucker”, Grant foi mais uma vez ao seu anterior trabalho para nos apresentar o belíssimo “Where Dreams Go To Die”. O silêncio da sala foi o acompanhamento perfeito para o piano de John Grant. E este foi, sem dúvida, um dos pontos fortes deste concerto, com o público a saber oscilar entre os temas mais dançáveis e entrar na quietude daqueles que pediam mais calma, mais tranquilidade.
“Agora vou passar para o lado oposto. A canção anterior era sobre uma perda, esta é sobre ultrapassar as dificuldades”. Com “Great Mother Fucker”, o público ficou ainda mais rendido, se é que havia ainda limites a ultrapassar.“Quero dedicar esta canção a todos vocês, na audiência. É sobre ser gay e crescer num meio pequeno, no Michigan. Nos Estados Unidos, as pessoas pensam que a Bíblia é a constituição, mas não é! Esta é a minha canção política”, conta Grant antes de nos entregar a intimidade de “Glaciar”: “You just want to live your life/The best way you know how/ But they keep on telling you/ That you are not allowed/ They say that you are sick/ That you should hang your head in shame/ They are pointing fingers/ And want you to take the blame...”. Um daqueles momentos em que a nossa pele se arrepia na mesma proporção em que o músico se entrega à sua história e nos abre uma porta bem pessoal.
John Grant é um músico muito generoso e isso é visível na sua música, que retrata, de forma muito íntima, a sua vida. Há cerca de um ano, declarou, durante um concerto, que era portador do vírus HIV e a sua canção “Ernest Borgnine”, do último trabalho, é precisamente sobre isso, mas não foi uma das agraciadas da noite. O ex-vocalista dos The Czars fechou a noite em grande com um tema do anterior “Queen of Denmark”, precisamente o tema que lhe deu nome. Visivelmente emocionado com a receção do público português, Grant despediu-se com uma humildade comovente e deixou-nos, a nós, em êxtase.
00:15 - Depois dos amplificadores no máximo das Savages e dos Wavves terem deixado o público do Mexefest em alta tensão, nada melhor que a música de Yoann Lemoine - nome de batismo de Woodkid - para apaziguar corpo e alma. Antes de passar à análise do concerto, que encheu por completo o Coliseu dos Recreios, naquela que foi uma das melhores (senão a melhor) performances dos espaços adjacentes à Rua das portas de Santo Antão, convém frisar que a realização de vídeo é outra das paixões do músico francês, ou seja, era esperado que ele cruzasse esses dois universos no Coliseu dos Recreios. E assim foi. “Baltimore’s Fireflies” deu o pontapé de saída para um final de noite que se revelaria, no mínimo, brilhante, com a projeção vídeo e a iluminação a fundirem-se com os temas interpretados. A música de Lemoine está repleta de apontamentos primorosos de percussão, que dão força aos arranjos orquestrais, concedendo-lhe, assim, um cariz épico. Por essa razão é que o músico se fez acompanhar por uma secção rítmica (dois percussionistas rodeados por uma parafernália de tambores e outros objetos não identificados), um naipe de metais (dois trombones e uma tuba), um responsável pelo lançamento de samples e um teclista.
Não admira que as canções de “The Golden Age”, disco de longa-duração de estreia de Woodkid, sejam autênticas bandas sonoras para um filme que nós próprios imaginamos (uma espécie de película sobre a civilização romana realizada por George Lucas…), pois as letras e as melodias de temas como “The Golden Age” e “Ghost Lights” - ambas interpretadas na noite de ontem - dão azo a isso. Mesmo os vídeos que acompanham as canções, projetados numa gigantesca tela por detrás de todo o cenário legionário de palco, são abstratos o suficiente para podermos criar a nossa própria história.
A primeira apoteose do concerto veio com “I Love You”, canção single que arrancou os primeiros coros da noite. À medida que as canções iam desfilando no Coliseu dos Recreios, Lemoine não se privou de ir explicando o significado de algumas (às tantas ficámos a saber que “Go”, tema novo, foi escrito durante a presente digressão), e não poupou esforços na altura de proferir algumas palavras na língua de Camões (“estão prontos para saltar?”, pergunta a meio da atuação). Por esta altura, “Brooklyn” e “Boat Song" já tinham conquistado por completo os presentes: os aplausos multiplicavam-se, os braços no ar também, mas seria o tema “Run Boy Run”, já em tempo de encore, o principal responsável pelo momento de júbilo mais intenso. Coros em uníssono, emoção em palco, emoção na plateia, tudo e mais alguma coisa. Uma verdadeira conquista por parte de Yoann Lemoine - com a promessa de regresso rápido a terras lusas, com a nossa língua mais bem-estudada. Assim chegou ao fim o primeiro dia do Vodafone Mexefest.
Mais fotografias do primeiro dia do Vodafone Mexefest 2013, aqui.
Por: Helena Ales Pereira e Manuel Rodrigues
Fotografia: Marta Ribeiro
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