Palco Principal - Quem são os The Raw Sample Project?
Makkas – Os The Raw Sample Project sou eu e a Joana Gonçalves (LBird). Comecei este projeto com o CDC, um antigo DJ dos Black Company, mas, por motivos de força maior, ele teve de abandonar. Na altura, entrei para o estúdio com ele e gravámos uma maquete - que ainda nos custou um trocos valentes - no espaço de um mês. Só que o facto de ser uma maquete levou a que nunca chegasse a ter a projeção ideal. Quando o CDC saiu, o projeto ficou em standby à espera que aparecesse alguém que pudesse trazer uma mais valia e que me ajudasse em termos de inspiração. Essa pessoa a LBird. Conheci-a no verão do ano passado, começámos a falar pela internet e, em dezembro, fomos para estúdio gravar as canções todas de novo.
LBird - Houve alguém que ouviu a maquete e que nos aconselhou a regravar tudo, porque, segundo essa pessoa, podia haver melhorias a vários níveis, principalmente a nível de qualidade. Nós fomos os dois para casa pensar sobre o assunto e decidimos aceitar o desafio. Por isso, isto acabou por ser, de alguma forma, o renascimento dos The Raw Sample Project - daí a analogia com a Fénix, que aparece na capa do álbum.
PP - E como é que surgiu o contacto com a Farol? Quem é que deu o primeiro passo?
Makkas - Foram eles. Certo dia, o Paulo Almeida [Guardiões do Subsolo] ligou-me a dizer que tinha estado na Farol e que eles estavam interessados em editar o disco. Marcámos uma reunião e foi aí que eles me lançaram o desafio de regravar o álbum e de fazer uma capa nova.
LBird - Nós, na altura, nem pensámos que seria para regravar tudo, pensámos que era para fazer apenas um melhoramento naquilo que já estava feito...
Makkas - A maquete, à primeira vista, até não está muito má a nível de gravação. Houve foi uma necessidade de tornar o produto final mais profissional.
LBird – Sim, porque o primeiro produto estava, não da nossa parte mas sim da parte técnica, pouco profissional. Havia mesmo necessidade de regravar tudo. Por isso, assumindo que era uma coisa completamente nova, acabámos por dar um novo nome ao álbum e tudo. E é engraçado porque, se ouvires a maquete e o álbum, reparas que as diferenças são enormes.
PP - E há a possibilidade de o disco ser editado fisicamente?
Makkas - Neste momento, o álbum só está disponível nas plataformas digitais, no entanto, estivemos ontem na Farol, e está sobre a mesa a hipótese de editar e distribuir o disco fisicamente. O que é muito bom, porque há quem prefira ter o disco em mãos...
LBird - A questão digital foi mesmo por ser a primeira janela. Neste momento abriram-se outras portas, já há, inclusive, o interesse de outras editoras, o que nos deixou muito contentes, pois assim vemos reconhecimento no nosso trabalho - houve muito esforço da nossa parte.
Makkas - Tudo o que podes encontrar neste álbum saiu do nosso bolso. É completamente independente. Não sei se estás sintonizado comigo neste pensamento: se eu, hipoteticamente, fizesse alguma coisa estilo Lil Wayne, se calhar o retorno seria outro. Mas eu cheguei a um ponto da minha vida que penso é no meu futuro. Se vou abrir a minha boca para dizer alguma coisa, tem de ser alguma coisa que contribua para a sociedade. Algo que me faça sentir bem comigo próprio. E o nosso álbum, nesse aspeto, está sólido, tem um esqueleto. Está coerente. Há uma crítica social. Hoje em dia toda a gente quer é ser gangster, mas eu não sou assim. Eu preocupo-me é se os meus filhos vão ter comida no prato amanhã...
PP - “Dia de Merda” é um dos singles do teu álbum e testemunha-nos um episódio algo pesado. Esta história é real?
Makkas - Tudo o que eu escrevo é inspirado nas minhas vivências, e houve episódios muito complicados na minha vida. Eu vivi em Inglaterra cinco anos: aquilo lá é muito complicado, ainda para mais se vais para lá sem conhecer ninguém... Vivi ali uns momentos um bocado aflitivos. Houve alturas em que olhava para o frigorífico e não tinha comida. Isso fez com que misturasse essas duas realidades quando escrevi o tema. Basicamente, é algo que acontece todos os dias.
PP - Acaba por fazer parte do quotidiano que retratas em "Rotina"… Fala-me um pouco sobre esta música.
Makkas – Tive um acidente grave há alguns anos, fui agredido com um taco de baseball e acabei no hospital com um traumatismo craniano. De certa forma, esse episódio inspirou-me. Entrei numa rotina em que andava todos os dias triste cabisbaixo, ia ao café, voltava logo para casa; entrei em depressão, não via saída para a minha vida e andei um pouco perdido. Basicamente o que eu acho é que existe muita gente que passa pelo mesmo, não interessa em que tempo é que foi, nem de que forma. A ideia desta música é dar alguma energia positiva a essas pessoas. Não quero pôr para baixo, mas sim fazer o contrário.
PP - Em “Recordar Hip Hop” – diria que é o meu tema favorito do álbum – falas da cultura de uma forma quase didática. Achas que falta às pessoas saberem o que é, realmente, o hip hop?
Makkas - Acho que sim. O hip hop virou moda, mas as pessoas esquecem-se de que é uma cultura, uma forma de estar. Não é só o que vestes. Rappers como o Lil Wayne, por exemplo, passam uma má imagem daquilo que é o hip hop. E por isso é que os putos que o idolatram acabam por pensar que o hip hop é uma questão de estilo, ou de swag, como agora se diz. Isso é lixo. Sou da opinião que as pessoas devem ser influenciadas de forma positiva, e não o contrário. Não vou aparecer na televisão a fumar charros, armado em gangster, até porque isso não existe. Os verdadeiros gangsters ou estão mortos, ou atrás das grades ou nas suas mansões a contar dinheiro. Não estão nos videoclips da MTV....
PP - Há um sentimento de sinceridade que percorre o disco de alto a baixo. É algo que te caracteriza enquanto pessoa?
Makkas - Eu sou sempre assim. Sinto as coisas. Só digo aquilo que sinto, senão nem valia a pena estar a perder tempo. Às vezes até posso estar a agir ou a pensar de forma errada, mas é aquilo que estou a sentir.
PP - Serias capaz de ceder a alguma pressão musical exercida por terceiros (editoras, managers…)?
Makkas – Isso está completamente fora de questão. Já senti isso na pele e não quero voltar a sentir. Senti isso com o álbum "Filhos da Rua" [Black Company], especialmente com temas como "Julieta & Romeu", "Lágrimas" e "Chico Dread". Mas atenção: isto não quer dizer que não goste de músicas mais orelhudas, tem é de haver algum tipo de sentimento. Por isso é que o álbum bateu o que bateu. Não quero dizer que o meu álbum "Rotina" bata, mas, ao menos, o sentimento está lá. Quando me deito, durmo de consciência tranquila. E foi por termos fugido a essa sinceridade que o "Filhos Da Rua" foi o que foi, e não sou o único a partilhar esta opinião. Para mim, só havia lá um ou dois temas com os quais me identificava, o resto era tudo muito forçado. Por isso é que eu senti esta necessidade de me lançar a solo. E o meu próximo álbum vai ser igual. Posso vir a ter outros instrumentais, mais leves, audíveis, mas sempre com a mesma direção.
PP - Quais as próximas passadas dos TRSP?
Makkas - Já estamos a trabalhar no próximo álbum. Neste momento, já temos dois temas escolhidos, um deles, “Viver e Morrer”, já tem letra e título, só falta mesmo misturar e masterizar. Vamos gravar as restantes faixas durante este verão, gostava que as pessoas já pudessem ouvir algumas coisas no início do inverno. Entretanto, vamos regravar alguns vídeos ainda para este álbum, pois o facto de termos reconstruído as músicas quase de raiz obriga-nos a alterar a componente visual. Estamos a investir muito dinheiro nisto, mesmo. Só é pena o retorno ser tão pouco. Não queremos ser milionários, mas gostávamos de poder viver disto. Mas, infelizmente, numa realidade como a portuguesa, é impossível. A solução passa, de certa forma, por educar as pessoas para a música. Mas essa educação não se prende só com o facto de ouvir boa música ou não. Tem a ver, também, com o acto de comprar discos e ir a concertos. Recentemente, fui a uma festa de hip hop num bar na zona de Lisboa. Casa cheia, o pessoal todo a vibrar com as músicas que o DJ estava a passar (ainda cheguei a ouvir o “Nadar”, dos Black Company). Agora eu pergunto: e que tal essas pessoas irem a concertos apoiar os artistas? Só sabem é pedir CDs à borla, entradas à pala, t-shirts de oferta, etc. É neste sentido que as pessoas têm de ser educadas. Os artistas têm de comer.
PP - Os Black Company fizeram parte do passado do hip hop português. Tu, neste momento, fazes parte do presente e já planeias o teu futuro. O que é que sentes que mudou mais desde então? E o que é que continua igual?
Makkas - Lembro-me que na altura, com os Black Company, foi difícil chegar a algum lado. E noto que hoje, passados 20 anos, ainda continua a ser difícil ser-se músico em Portugal. Hoje em dia os recursos estão mais à mão: qualquer pessoa com um computador e uma placa de som já consegue gravar a sua própria maquete. O que noto, em relação ao início, é que falta sentimento e veracidade na cena; falta ver gente a fazer isto porque gosta e não porque vê os outros fazer, ou porque quer engatar miúdas.
Manuel Rodrigues
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