No palco do Coliseu do Porto Ageas, na passada quinta-feira, 23 de novembro, desfilaram um majestoso coro clássico, as carismáticas voz e presença de Sónia Tavares e uma eletrónica que se funde com sons e tradições de portugalidade, numa musicalidade que se estranha e que se entranha.
“To do list”: Na lista de a fazer
Pouco interessa o alinhamento, numa noite em que os The Gift mergulharam no passado e trouxeram água límpida e fresca, preciosa em dias quentes de verão. Não importa se estamos em novembro ou se os termómetros estão abaixo dos 5ºC, o calor na sala de espetáculos do Coliseu era avassalador e o público saciava uma sede, que desconhecia ter, a cada palavra, a cada sílaba entoada pelo gigante coro e pela, poderosa e ímpar, voz de Sónia Tavares.
Mesmo conhecendo o álbum, que dá nome à digressão, "Coral", nada nos prepara para o épico espetáculo de duas horas que os The Gift nos proporcionam. As letras, os ritmos, os sons, as presenças em palco ganham uma nova vida.
Um caminho tão expectável como inesperado, que nos arrebata a cada nota. Afinal, os The Gift já calcorrearam muito palco e os anos de carreira falam por si. Por isso, a plateia pensa estar sobejamente preparada para o que aí vem: desengane-se! São tantas as emoções que tomam conta de nós, que é impossível sequer tentar definir o tanto que em poucos segundos vivemos.
Assistir ao concerto dos The Gift no Coliseu Porto Ageas é um daqueles momentos - e isso resume bem a grandiosidade do espetáculo. Sabem aqueles momentos que valem uma vida? Aqueles instantes que, no futuro, conseguiremos apontar como tempos felizes? Os pequenos grandes momentos que nos transformam e nos elevam. A minha singela ode ao magnífico concerto dos The Gift no Coliseu Porto Ageas. Um espetáculo que todos deveriam, uma vez que fosse, viver.
O alinhamento
Gosto das apresentações entre temas, dos pequenos monólogos, que tanto Sónia como Nuno Gonçalves sobejamente dominam - ambos anfitriões ímpares. Gosto da palavra dita entre a palavra cantada, que permite que entre canções se estabeleçam relações de cumplicidade e que nos lembra que aquele momento só faz sentido porque os The Gift estão em palco e o público está na plateia. Uma relação que alguns artistas se esquecem de acarinhar - não é o caso.
Começamos com «as borboletas» de Sónia que, sem medo, lhes dá vida, mesmo depois de tanto palco. Como a compreendo: são as mesmas que me assolam a cada tema, «esse nervoso miúdo, essas borboletas na barriga» que, mais do que uma vez, vão deixar-me de lágrima nos olhos, da emoção que não sei como extravasar.
“Noir” é o primeiro tema de "Coral" a ganhar vida em palco, mas Sónia avisa que «isto não é um concerto de apresentação do disco.» Não o é, de facto! Aparentemente, mudamos para uma sala de estar - com muitas cadeiras, é verdade! (Uma sala do Coliseu esgotada) e, nas duas horas que se seguem, voamos em todas as direções, num espetáculo intimista e intenso, que se alimenta de passado e futuro, para nos oferecer um presente, que levaremos no tempo.
Seguem-se “Dissonante” e “7 Vezes”, não sem antes Nuno dizer que «fazer este Coral foi o objetivo maior dos Gift. Parece que estivemos toda uma carreira para chegar aqui». Ainda bem que chegaram!.
O tema “O Regresso” dá lugar a uma versão arrebatadora, melancólica e gifteneana de “Adágio”, de José Carlos Ary dos Santos. A primeira viagem ao passado leva-nos a 2017 e ao potentíssimo tema “Love Without Violins”, com Brian Eno a invadir a tela do cenário. Que jornada bonita! Avançamos até ao álbum Verão, ao som de “Impressiveness”, e não há como explicar a conjugação de tudo o que vive em palco, de tudo o que vive em nós.
De novo, no Coral, ouve-se “Um Lamento” e, na voz de Nuno Gonçalves, “Única”:
«E grito, sinto medo, rompo o mal p'la raiz
Parto pela sombra, escolho aquilo que quis
Nunca estive certo de voltar a nascer
Vivo sempre perto, venço mesmo a perder
Olho mais à frente, sempre fiz e desfiz
Sonho várias cores, nenhuma me condiz
Paro, leio, escuto, nunca volto a aprender
Penso se algum dia vou deixar de sofrer (...)»
No alinhamento “The Girl Next Door”, nas palavras de Nuno, um «tema de Natal ao estilo Tim Burton». Não lhe falta o fantástico e o excêntrico.
Voltamos ao primórdio e a "Vinyl", de 1998, para uma versão de “Ok! Do you Want Something Simple?”. O tema seguinte, “Nocturne”, dedicado à enorme Sara Tavares, é precedido e seguido de estrondosas ovações. Como não há lugar a coincidências e tudo se alinha para que a perfeição se instale, seguimos com “Passa-se o Tempo”, «um tema que nos fala de ausência, de cadeiras vazias, de dor, mas também da memória, que ninguém nos tira». Para dar lugar a “Infinita”.
Fecham-se as cortinas. Sónia haveria de regressar, a percorrer o corredor central da sala até ao palco, ao som de “Cancun”. De novo, se fecham as cortinas. Haveriam de voltar a abrir-se - em palco sobram uns quantos elementos do coro, para acompanhar os The Gift na “Primavera” e a fechar a noite, já com o coral completo, “Music”.
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