O poder 'online' dos fãs de música para criar entusiasmo político cristalizou-se nos recentes ciclos eleitorais dos EUA - veja-se os Swifties - mas a reacção contra Chappell Roan devido ao apoio presidencial destacou a ferocidade da chamada 'cultura stan' [nome que se dá a uma comunidade de utilizadores da rede social X - antigo Twitter - que partilham opiniões sobre estrelas, músicas, etc.].

O drama recente à volta da cantora norte-americana Chappell Roan revelou uma pressão crescente sobre alguns artistas para que se envolvam na votação presidencial dos EUA, especialmente por parte dos seus próprios fãs, que frequentemente acham que são donos dos seus ídolos.

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A jovem estrela pop que explodiu no 'mainstream' no início deste ano enfrentou críticas ferozes na semana passada depois de se abster de dar o apoio mediático a qualquer um dos candidatos, dizendo numa entrevista a um jornal que a política dos EUA “tem problemas de ambos os lados. "

A sua postura tornou-a o alvo de críticas 'online' e o seu esclarecimento em dois vídeos do TikTok de que a sua inclinação de “colocar em causa a autoridade e os líderes mundiais” não significa que vá votar em Donald Trump apenas aumentou a agitação.

A artista de 26 anos que se identifica como queer disse que, além de desprezar Trump, está dececionada com o Partido Democrata por uma série de razões, incluindo o seu apoio à guerra de Israel em Gaza.

Ela votaria em Kamala Harris, insistiu, mas isso não colocava a política democrata acima das críticas.

Isto não acalmou o alvoroço, e por fim a cantora de “Pink Pony Club” desistiu de dois concertos num festival, explicando que sentia uma pressão "avassaladora" devido à sua popularidade meteórica.

"As coisas têm-se tornado demasiado difíceis nas últimas semanas e estou realmente a sentir isso", escreveu a artista.

"Preciso de alguns dias para dar prioridade à minha saúde", acrescentou.

Ilusão de intimidade

Muitos músicos, incluindo Taylor Swift, Ariana Grande e Doja Cat, aludiram em músicas ou discutiram abertamente a sensação de posse que os fãs parecem sentir que têm sobre as suas vidas pessoais - amplificada pela necessidade de músicos e aspirantes a estrelas serem ativos nas redes sociais.

À medida que os fãs transformam o acesso através das redes sociais em relações parassociais, cria-se uma “ilusão de intimidade”, disse Petra Gronholm, professora focada em saúde mental global na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Quando se trata de política de estrelas, há uma “ideia de validação” em jogo, diz.

“Queremos que defendam publicamente o que talvez acreditemos que defendem, ou presumimos que defendem, ou desejamos que defendem – para nos vermos nelas”.

É um sentimento particularmente agudo quando se trata de música: “Há sempre uma sensação de que o que está a acontecer no ecrã é um papel, e não reflete realmente quem são como pessoas”, diz Mark Clague, musicólogo do Universidade de Michigan.

“Enquanto que, com uma música pop, a autenticidade e a sua capacidade de falar é algo que vem de um lugar honesto, um lugar de vulnerabilidade no artista”, esclarece.

As redes sociais exacerbaram as exigências para que alguns músicos – especialmente os novos no meio – divulguem as suas posições.

“Esse tipo de estrelato pode parecer mais inconstante”, diz David Jackson, professor de política na Universidade Estadual de Bowling Green.

"Há provavelmente uma maior consciência, uma maior necessidade entre as estrelas, num ambiente altamente social e mediatizado, de se manterem a par do que os seus fãs estão a pensar", nota.

E a vida 'online' não deixa muito espaço para nuances, como Roan descobriu.

“As coisas parecem mais dicotómicas agora do que a vida real realmente é”, diz o professor.

Instilar devoção

Para os fãs, um apoio nem sequer tem necessariamente a ver com o impacto político – pode ter mais a ver com fazer com que os ouvintes se sintam seguros de que o seu gosto musical está alinhado com a sua visão do mundo.

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Jackson diz que a lealdade a um artista não é diferente das escolhas do consumidor noutras áreas da vida – como as pessoas se vestem, onde vivem e o que comem, tudo tem o potencial de fazer uma declaração sobre as suas convicções políticas ou a personalidade que querem apresentar.

“O entretenimento ocupa uma parcela significativa dos custos discricionários das pessoas”, diz Jackson.

“Não penso que seja totalmente irracional que os fãs estejam pelo menos interessados ​​em querer saber o que defendem as estrelas a quem estão a dar dinheiro.”

Porém, quando se trata da campanha eleitoral em si, é difícil avaliar o verdadeiro impacto do apoio de uma estrela.

No caso de Kamala Harris, Jackson diz que o apoio parece “visar mais a mobilização [para votar] do que a persuasão”.

Quando Swift apoiou Harris, também partilhou uma ligação de registo eleitoral, no qual mais de 400 mil pessoas clicaram nas primeiras 24 horas.

O megaestrelato de Swift faz dela uma voz única e influente – mas a música também pode ser uma forma de arte particularmente inspiradora, diz Clague.

“O que é interessante na música, que é comum tanto à religião como à política, é a forma como a música é usada para incutir devoção. E para motivar as pessoas a agir", diz.