Sábado à noite, o frio continuava a dominar as ruas de Braga, mas isso não impediu que, na Praça do Agrolongo, se juntasse uma multidão. O GNRation, um dos mais conceituados estabelecimentos de impacto cultural do Norte do país, recebia nessa noite David Santos, mais conhecido pelo seu nome artístico Noiserv, novamente na cidade dos arcebispos com o objetivo de apresentar o seu mais recente trabalho, “Almost Visible Orchestra”. A primeira parte do concerto ficou a cargo de Gobi Bear.

Eram 22h50 e, no fim do percurso elaborado do complexo, chegava-se à BlackBox, que já se encontrava bem composta. Só faltava a música. Um público claramente heterogéneo, composto por gente de todas as idades, tamanhos e feitios, ocupava o espaço em frente ao palco, já pronto.

Um jovem apodera-se do palco timidamente e apresenta-se: “Olá, sou o Diogo”. Compreende-se: o jovem vimaranense, relativamente desconhecido dos portugueses, tem a tarefa difícil de abrir para um dos músicos nacionais mais conceituados da atualidade. Acompanhado, principalmente, pela sua guitarra e pelo seu sampler, Gobi Bear inicia, então, a sua atuação. Tendo já lançado três EPs desde que iniciou a sua carreira musical, em 2011, o músico veio até Braga para apresentar o seu primeiro longa duração, lançado no passado dia 1 de novembro, “Inorganic Heartbeats and Bad Decisions”.

“Tive que dar menos concertos para desenvolver este trabalho. Está mais elaborado”, confessa, nomeando as respetivas influências: “Eels e Nick Drake, entre muitos outras. Mas influencio-me em todo o tipo de arte”. De facto, o one-man-band também parece ser influenciado pelo rock mais clássico, em riffs e solos típicos de anos 80.

A pureza do som de Gobi Bear é particular. À terceira música, consegue palmas a meio da canção. “Vocês são imensos”, comenta. O público bracarense não costuma ser fácil, mas o Diogo continua sempre na sua, inovando nos seus sons, usando para tal instrumentos alternativos como o xilofone. Toca músicas mais antigas para os que acompanharam os seus primeiros passos e apresenta músicas do seu trabalho mais recente, como “Eels”, “Three Feet” e “Certainty is not a Word”.

Os 50 minutos de concerto, pautado, além da timidez já referida, pelo humor e boa disposição, com Gobi Bear a conversar sobre tópicos tão distintos como o casamento e mailing lists, acabam com “Monica 2”. O público riu-se, o público ouviu, o público gostou. “Este gajo canta muito bem”, ouve-se, já se preparava a entrada de Noiserv em palco.

Noiserv não tardou muito e sentou-se no lugar que lhe era destinado em palco sem grande alarido, embora sob uma chuva de palmas. “Mr. Carousel” abriu as festividades, e fez-se seguir por “This is Maybe the Place Where Trains Are Going to Sleep at Night”. É fácil perceber que ninguém faz o que Noiserv faz. As melodias tão cuidadosamente produzidas, o uso de instrumentos tão peculiares dão um relevo e uma complexidade musical às suas canções que muito dificilmente encontramos nos seus pares. Noiserv é especial e o seu público sabe disso. Perde-se a conta às cabeças que se movem ao ritmo das suas músicas. Notam-se dezenas de pessoas a murmurarem as letras para si próprias.

Um concerto de Noiserv é uma viagem, e a viagem proporcionada pelo músico passou, não só por registos mais antigos, como “Bullets on Parade”, “The Sad Story of a Little Town” e “Palco do Tempo”, mas também por novos êxitos, como “I Was Trying to Sleep When Everyone Woke Up”, “Today Is The Same as Yesterday, But Yesterday Is Not Today”, “It’s Easy to Be a Marathoner Even If You Are a Carpenter” ou “Don’t Say Hi If You Don’t Have Time to Say Goodbye”. A meio das suas músicas, Noiserv interage com o seu público de uma maneira muito própria, carregada de genuinidade e inocência, e sempre em bom tom. Fala-se de acidentes na neve, sugerem-se tampas de garrafa quadradas e ainda que o dia 30 de novembro fosse o Dia Mundial dos Pés Congelados. No entanto, a interação mais sentida terá sido o agradecimento ao público por ter aparecido em tão grande número: “Às vezes, a pessoa em questão não quer acreditar, mas, quando olha para a frente e vê tanta gente, então talvez tenha que começar a acreditar”. Pode acreditar, até porque a BlackBox acabou mesmo por ver os seus lugares esgotados antes do dia do concerto chegar.

Em jeito de encore, o artista reproduziu uma música mais antiga, “bontempi”, e despediu-se uma última vez do público que tão bem o acolheu.

É impossível deixar de fora a importância da componente visual num espetáculo de Noiserv. Novamente a cargo de Diana Mascarenhas, que já acompanha o músico desde o início da sua carreira, a ilustradora dá relevo e conteúdo ao espetáculo e torna a experiência imensamente mais rica e valiosa para o público. A tela, que se encontra em constante evolução no decorrer do concerto, ajuda a transmitir aquilo que o David tanto se esforça para pôr na sua música.

O trabalho, elaborado em conjunto entre músico e ilustradora “é preparado em sessões de quatro horas” diz-nos a artista. “O David dá os conceitos e eu tento transmiti-los através dos meus desenhos”, explica, desvalorizando o facto do trabalho para esta digressão ser o primeiro a cores: “O desenho é qualquer coisa para distrair o olho, enriquece só”. Concordemos em discordar.

Já é tarde e o GNRation está fica cada vez mais vazio. Aos poucos, os fãs vão seguindo com as suas vidas. “Que a Magia esteja convosco”, lê-se num dos corredores. E Noiserv enfeitiçou. Dificilmente esta plateia regressou à realidade e ao frio.

Texto: Julien Vergé