
Ainda é difícil acreditar que os Mind da Gap se encontram no presente ano a celebrar 20 anos de carreira. Parece que foi ontem que os ouvimos pela primeira vez no programa repto do José Mariño com o tema “Piu Piu Piu”, numa altura em que a compilação “Rapública" e o tema “Nadar” invadiam Portugal de Norte a Sul; numa altura em que o General D editava “Portukkkal é Um Erro”; numa altura em que os Da Weasel se estreavam com o EP “More Than 30 Motherf***s”. Vinte anos é muito tempo. É o tempo suficiente para um feto passar a adulto. É o tempo suficiente para um casal celebrar bodas de porcelana. No que toca ao hip hop, os Mind Da Gap são dos únicos coletivos que conseguiram resistir a este casamento.
Vinte anos foi o tempo que levou a ser construída a autoestrada A1 que faz a ligação entre Lisboa e Porto, mas nós, povo do sul, nunca precisámos de pavimentos alcatroados para termos o Norte como um dos principais pontos cardeais na busca do hip hop nacional. E por isso mesmo é que esta celebração no Musicbox, em Lisboa, se manifestou tão importante.
Apesar da data redonda que se celebrou no concerto de sexta-feira - com a epígrafe “20 anos, 20 músicas” -, Ace, Presto e Serial não parecem, de todo, abalados pelas trocas de calendário que já ultrapassaram, continuando a comportar-se em palco com a energia e a alegria de quem se encontra na flor da adolescência. No entanto, há toda uma maturação que, de ano para ano, se tem vindo a tornar mais evidente (ambos os rappers têm as letras na ponta da língua; os backing vocals são calculados ao milímetro; Serial está cada vez mais eficiente na maquinaria). E é também por essa necessidade de evolução e amadurecimento que o trio trouxe consigo um baterista (André Hollanda) e um teclista (Sérgio Freitas), de forma a dar uma roupagem mais orgânica aos circuitos elétricos de Serial.
Como seria de esperar de uma noite destas, os Mind da Gap passaram a pente fino a sua discografia, onde foi possível ouvir os êxitos mais recentes, como o tão badalado “És Onde Eu Quero Estar”, e clássicos intransponíveis, como é o caso de “Falsos Amigos”. De uma forma ou de outra, todas as músicas tiveram o espaço devido nas preferências da plateia (alguns vibraram extasiados com as abordagens ao presente, outros mergulharam em profundo estado de nostalgia com as visitas ao passado).
Esta história, de final feliz, começou ao som de “Há Dias” e “Vozes Na Cabeça”, marcando, assim, a primeira paragem no DeLorean de “Regresso ao Futuro” (os constantes avanços e recuos no tempo foram acompanhados com a projeção de imagens alusivas ao álbum em questão), seguindo-se de “Não Stresses” (um olá a “Edição Limitada”, com Ace a convidar os presentes a relaxarem no SPA Mind da Gap) e “Este Beat”, retirado da mais recente rodela do coletivo.
“Sem Cerimónias” é, sem sombra de dúvida, um documento importantíssimo na história do hip hop nacional, e é um dos álbuns mais aclamados da discografia dos Mind da Gap, dentro e fora das fronteiras portuguesas. E por isso mesmo é que temas como “És como um Don”, “Falsos Amigos” e “Dedicatória” (provavelmente a melhor carta de amor que, até hoje, alguém escreveu ao movimento) desfilaram vitoriosos no alinhamento dos portuenses.
No entanto, os grandes destaques da noite foram para os momentos em que os Mind da Gap se fizeram acompanhar por convidados especiais. Primeiro Rey, que deu voz ao segundo verso de “O Jardim”; mais tarde o rapper de Chelas, Sam The Kid, que rematou a letra de “És Onde Eu Quero Estar” (vulgarmente conhecida por “borboletas”) e, por fim, os Dealema, que aproveitaram o facto de já se encontrarem em Lisboa (o coletivo atuou no TMN ao Vivo no sábado) para interpretarem “Sete Miras”. Um momento coalizão que ficará para a história e que terá deixado na plateia alguma esperança de ouvir “Cavaleiros do Apocalipse”, “Forças de Combate” ou “Atiradores Furtivos”. Um desejo que não acabou por ser concretizado.
Na reta final do concerto houve tempo para presenciar duas dicotomias interessantes. Se “Todos Gordos” (epicentro de “A Verdade”) ganhou - e muito - com a componente orgânica imprimida pela bateria de Hollanda e pelas teclas de Freitas, possibilitando ao coletivo fazer alguns jogos com a liberdade rítmica que esta faceta permite, a canção “Bazamos ou Ficamos” (única passagem por “Suspeitos do Costume”) perdeu em larga escala o groove e a cadência original, causando algum desconforto auditivo.
Dezasseis músicas depois do início do concerto (faltaram quatro para as prometidas vinte), os Mind da Gap despediram-se do Musicbox e encerraram, assim, uma noite que só pecou por não se ter debruçado mais sobre álbuns como “Suspeitos do Costume” (canções como “Socializar Por Aí” e “Atitude Construtiva”) e “A Verdade”, verdadeiras obras-de-arte que mereciam mais destaque nesta solenização.
Manuel Rodrigues
Comentários