
Como muitos músicos, Sérgio Pacheco entrou numa banda filarmónica por influência de um familiar, o pai, que tocava bombardino, e que acompanhava nas deslocações com os demais instrumentistas. Começou na banda de Freamunde aos 9 anos, a tocar trompete, o instrumento que o levou à Orquestra Sinfónica do Porto, onde é trompetista, aos 28 anos.
A banda, refere, "foi muito importante", em termos de formação musical, mas também cívica. "Ali aprendíamos a conviver, não só com pessoas da nossa idade, mas também de outras gerações. Também se aprende a disciplina e a educação de se fazer parte de um grupo", sustenta, realçando "o traquejo", o "à vontade" e a "experiência" adquiridos durante os 14 anos em que tocou na banda.
Aos 8 anos, António Quítalo estreou-se, pela mão do avô, que era músico, na banda da Sociedade Filarmónica Humanitária de Palmela, a tocar igualmente trompete, o instrumento que escolheu "para a vida". Hoje, com 38 anos, é primeiro trompete solista na Orquestra Sinfónica Portuguesa do Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa.
Da banda de Palmela, onde esteve 15 anos, recorda, acima de tudo, o convívio, "os ensinamentos e os conselhos dos mais velhos". Para o músico, que também leciona trompete na Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco, "os valores morais e pessoais são o grande trunfo das coletividades e das bandas", sendo "o espírito de partilha, de respeito e solidariedade pelos outros uma grande virtude".
As bandas filarmónicas, muitas criadas no século XIX por padres, professores e músicos para instruir o povo e entretê-lo nas festas e romarias da terra, estão ligadas a coletividades e têm escolas de música, muitas de frequência gratuita. "São ótimos centros de rastreio da qualidade musical", advoga André Granjo, maestro da União Filarmónica do Troviscal, assinalando que "os músicos que tocam nas orquestras sinfónicas, a nível de sopro, aprendem música nas bandas".
Além de formarem músicos para orquestras e bandas militares, as filarmónicas funcionam como um "local de cultura de pertença de várias gerações", na opinião da investigadora Graça Mota, que lembra "os laços que se criam com os amigos e os colegas". Segundo a docente da Escola Superior de Educação do Porto, "os jovens, quando entram para a banda, vão pela mão de um familiar, do maestro, de alguém que estimam" e, quando novos compromissos os impedem de continuar a tocar na banda, "voltam sempre, às vezes aos fins de semana", para fazer o gosto ao dedo e conviver.
"É muito raro desistirem das bandas", defende Graça Mota, que coordenou um estudo sobre a identidade musical dos jovens ligados a bandas filarmónicas no Norte do país e descobriu que os músicos têm "uma linguagem muito própria". No seu jargão, "calhau" é uma peça musical difícil de executar, "pato-marreco" um saxofone barítono, "ganseiro" um músico que faz serviços para outra banda e "chica" uma banda com poucos músicos e muita fraca.
Na banda de Freamunde, os músicos ficam a tocar durante várias décadas, garante o seu diretor, José Queirós. E, apesar das dificuldades financeiras da banda, há lista de espera de instrumentistas. "Até terem vaga na banda, os jovens ficam a fazer ensaios", no máximo um ano, adianta. Querem entrar na banda porque gostam, porque têm lá amigos. "Uns puxam os outros", resume. Na banda de Freamunde, a média de idades dos músicos ronda os 25 anos, mas há também instrumentistas com 10 e mais de 60 anos.
Tristão Nogueira, presidente da Confederação Musical Portuguesa, assegura que a procura das bandas filarmónicas "é muito grande", entre pais e filhos. "Os pais sentem-se mais seguros. Enquanto os miúdos andam na banda, não andam na droga", atira. Já os filhos, acrescenta, "gostam de vestir uma farda, ter uma identidade própria, pertencer a um grupo coeso de amigos".
@Lusa
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