Após um ensaio no Centro Cultural de Macau, o fadista de 56 anos admitiu que parte do problema “teve a ver com questões políticas”, uma vez que este tipo de música tradicional portuguesa ficou associado à ditadura de Salazar.
“Eu lembro-me que na minha infância era muito difícil. Eu quando dizia na escola que cantava fado, era gozado, até mesmo pelos professores. Eu tinha vergonha mesmo de dizer que cantava fado”, confessou Camané.
Além disso, lamentou o cantor, “houve uma ideia de que o fado era uma música que não tinha qualidade”.
Algo que descreveu como “completamente irreal, porque o fado é uma música com uma expressão incrível, onde pode acontecer tudo musicalmente”.
“E de repente é o que está a acontecer, cada vez mais pessoas percebem isso no mundo inteiro”, disse o músico.
Mesmo no período em que o público português parecia estar de costas voltadas, “já tinha havido muita internacionalização do fado”, sublinhou Camané, dando como exemplo Amália (1920-1999) e Carlos do Carmo (1939-2021).
“Já havia muitas pessoas que cá fora de Portugal sabiam muito bem e conheciam muito bem o fado”, acrescentou o cantor.
Para o maestro Yao Shenshen, que irá dirigir a Orquestra Chinesa de Macau, a colaboração com Camané foi a primeira oportunidade para conhecer “uma música de tristeza e romance, que transmite sempre um sentimento de tristeza ao público”.
Camané admitiu que é um desafio dar um concerto no estrangeiro, perante um público que, na sua maioria, não entende português: “Claro que alguns aspetos de palavras, de texto, de histórias, as pessoas não percebem”.
“Eu lembro-me que era miúdo, com 6 anos, ouvia o Frank Sinatra, o [Charles] Aznavour, os Beatles e eu não percebia uma palavra do que estava a ouvir, mas emocionava-me”, recordou o cantor.
“Eu acho que a música ultrapassa a barreira da língua. A emoção passa”, defendeu Camané.
Numa conferência de imprensa de antevisão do concerto, Yao Shenshen, maestro titular da Orquestra Chinesa de Xangai, disse que a barreira linguística também não tem sido um problema nos ensaios.
“A comunicação é fácil. Quando temos dúvidas podemos só começar a tocar. Como disse o Camané, a música é uma língua universal”, sublinhou Yao.
O concerto de sábado, que faz parte do programa do 5.º Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa, será a segunda colaboração do fadista português com a Orquestra Chinesa de Macau, após uma primeira em 2007.
O concertino da orquestra, Zhang Yueru, disse na conferência de imprensa que Camané foi uma escolha natural devido à ligação histórica do território chinês à lusofonia e demonstrou esperança de que o concerto possa ser repetido, em países de língua portuguesa.
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