Depois de 16 meses fora da estrada e na ressaca de um albúm que dividiu opiniões da crítica e público, os Dream Theater voltaram em força a Portugal e aos concertos, com um albúm - homónimo -que se apresenta como uma afirmação de identidade e de solidificação de um registo que já vinha a ser apresentado desde o vínculo com a Roadrunner Records.
"Dream Theater", lançado no final de 2013, volta a contar com Petrucci como produtor e foi o primeiro albúm em que o novo baterista, Mike Mangini, teve oportunidade de participar integralmenteno processo de criação musical. A chegada deste elemento carrega a maior controvérsia à volta do poderoso quinteto: a saída, em 2010, de um dos membros fundadores da banda - Mike Pornoy.
A recepção mista do último albúm e as vozes dos fãs obrigavam a uma resposta afirmativa de solidez e confiança do projecto. Seria a única forma de afastar a dúvida no futuro... e a fantasmagóricaaura do ex-baterista.
Se é certo que os Dream Theater cedo nos habituaram a um registo melódico que roça a perfeição técnica e cénica, o contexto apresentado só poderia elevar ainda mais a componente dramática do aguardadoconcerto, que decorreu num Coliseu do Porto composto por uma fantástica moldura humana. Sendo um sítio convenientemente ligado à dramaturgia e ao valor lírico puro, nada se adequaria melhor.
Após um pequeno soluço e algum atraso, as luzes apagaram para sermos presenteados com um estrondo cinematográfico: a história discográfica dos Dream Theater, ilustrada através de uma animaçãoque utilizava as capas dos seus principais trabalhos, e que culminou em apoteose com o rosto do novo trabalho. Estava feito o manifesto identitário e lançada a aventura da noite, com a habitualsaudação aos artistas.
Seguiu-se uma performance do single Enemy Inside, acompanhada de uma projecção com forte componente narrativa. A banda não descurou,aliás, este aspeto: vimos várias
curtas metragens ao longo do espectáculo, numa sincronia com a música que é digna de registo.
O novo albúm pautou a primeira parte deste concerto, mas a banda não desilidiu os seus fãs mais saudosistas. Trabalhos como "Enigma Machine" (o primeiro instrumental desde o lançamento do albúm"Train of Thought") inspiravam e estarreciam os presentes, sem se perder o toque mais épico, narrativo e teatral de outras canções.
Esta metade terminou com um reparo severo de LaBrie, que parecia insatisfeito com a qualidade acústica. Uma nota que deixou o público ainda mais ansioso pela segundaparte. Não se falava de outra coisa nos corredores do Coliseu.
Entre alguns clássicos e novas canções, a banda dava um espectáculo convincente e rigorosíssimo, afastando progressivamente (ora, nem mais) qualquer questão. Os tempos, as transições - tudo se plasmava semque se notasse qualquer esforço. Entre temas mais enérgicos e as afamadas baladas, os Dream Theater sideravam a plateia com o seu virtuosismo.
O novo trabalho parecia recolher a simpatia total do público. Numa noite rara, vimos um Petrucci com «sede» de guitarra, engrandecendo os solos e o improviso,para deleite dos que enchiam o Coliseu. O guitarrista parecia ter assumido, definitivamente, a liderança do evento e do coletivo. A bateria de Mangini conseguia levantar com facilidade um público exigente e fiel a Portnoy. A tecnologia e técnica de Rudess deixavam-nos hipnotizados. Myung, mais discreto, era a cola rítmica do conjunto, com o seu veloz dedilhar rigoroso, e a voz de LaBrie conservava a elasticidade e peculiar espectacularidade, guiando as gargantas da plateia.
Num concerto de prog, o virtuosismo é obrigatório. Com osDream Theater, isso não é exceção, sendo que o nível técnico que se atinge é pura loucura. Os solos, claro está, são acima de climáticos.Para além dos habituais recitais dos veteranos, fomos agraciados por um solo especial de Mangini, que cativou completamente a audiência. Confiante e energético, o baterista parece ter finalmente desfeitoas dúvidas e afastado os fantasmas, levando a multidão a aclamar entusiasticamente o seu nome em uníssono. Os Dream Theater estavam de volta à unidade que os caracterizava.
O concerto parecia fechar com o trabalho mais clássicoda nova obra, Illumination Theory. A performance cataclisma deixou-nos todos a ansiar mais.
E, de facto, estes senhores não desiludiram. Aliás, o Porto deve ter tremido com a forma como o quase obrigatório encore foi recebido pela plateia, perante uma visita inesperada a "Scenes from a Memory.Ninguém adivinharia um tributo tão especial a um dos trabalhos icónicos da banda, que contou com intrepretações de quatro temas, finalizando com o belíssimo e catártico Finally Free.
Os Dream Theater passaram, de facto, por um período controverso, que teve ínicio em 2010. Após quatro anos, a banda parece finalmente ter encontrado (ou reencontrado) a sua essência.O novo albúm merecerá ser homónimo, pois marca um novo ínicio, uma inegável afirmação de identidade e confiança no futuro. É óbvio que existem e existirão solavancos. Basta pensarmos no peso da tradição e do risco natural de novas etapas.Mas a experiência e a natureza dos gigantes musicais que nos visitaram parece ter encontrado uma forma de renovação.
E, se as metamorfoses são um ingrediente dramático inspirador, nada melhor para um grupo tão assumidamente teatral do que ter encontrado um novo rumo que, sendo fiel à tradição, apresentaos primeiros sinais claros de solidificação de novos processos. O genéro progressivo volta a contar com um dos seus parágonos.
Setlist:
Primeira parte:
False Awakening Suite
The Enemy Inside (tocada ao vivo pela primeira vez)
The Shattered Fortress (tocada ao vivo pela primeira vez)
On the Backs of Angels
The Looking Glass (tocada ao vivo pela primeira vez)
Trial of Tears (desde 2004 que não era interpretada)
Enigma Machine + solo de bateria de Mike Mangini (tocada ao vivo pela primeira vez)
Along for the Ride (tocada ao vivo pela primeira vez)
Breaking All Illusions
Segunda parte:
The Mirror
Lie
Lifting Shadows Off a Dream (desde 2004 que não era interpretada)
Scarred (desde 2007 que não era interpretada)
Space-Dye Vest
Illumination Theory (tocada ao vivo pela primeira vez)
Encore:
Overture 1928
Strange Déjà Vu
The Dance of Eternity
Finally Free
Texto: Nuno Castro
Fotografia: Sérgio Castro
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