"We like to party", ouviu-se, repetidamente, pouco antes da entrada das Cansei de Ser Sexy em palco num Lisboa ao Vivo concorrido. As palavras (e a música) não foram delas, mas de "We Like To Party! (The Vengabus)", memória delirante dos Vengaboys a encerrar um compasso de espera pelo qual passaram clássicos das Spice Girls, Britney Spears ou ABBA. Antes ainda, o DJ set de Werdisbond tinha juntado Rihanna, Stardust, Prince ou Talking Heads num aquecimento convidativo para uma noite de um regresso que pode também ter sido uma despedida.

Afinal, este sábado marcou a passagem por Portugal da digressão "It’s been a number of years", que celebra os 20 anos da formação da banda brasileira e é descrita como a última. Será mesmo? A meio do concerto, Lovefoxxx, a vocalista, garantiu que sim ao troçar das despedidas consecutivas de James Murphy (LCD Soundsystem), distanciando-se do falso alarme desse e de outros casos.

Essa vertente agridoce ajudou a dar um sabor especial a um concerto que, de qualquer forma, valorizou mais o prazer do reencontro do que a eventualidade do adeus definitivo. O quarteto que inclui ainda Ana Rezende, Luiza Sá e Carolina Parra (e ao qual se juntou o baterista Chuck Hipolitho em palco) já não se apresentava na capital portuguesa desde 2013, data da segunda atuação no TMN ao Vivo, e mostrou-se tão entusiasmado como um público que também pareceu rever-se na máxima da tal canção dos Vengaboys ouvida no início (e no fim) do espetáculo.

Festa garantida foi, aliás, o que sempre pudemos esperar das Cansei de Ser Sexy desde a estreia lisboeta com dois concertos míticos no Lux, em 2007, altura em que o primeiro álbum, homónimo (editado em 2005 e com versão internacional em 2006), era uma das coqueluches indie. De um momento para o outro, o coletivo revelado no EP "Em Rotterdam Já É uma Febre" (2024) e que já contou com uma formação de sete elementos, saiu de clubes claustrofóbicos de São Paulo para grandes salas e festivais dentro e fora de portas, numa das maiores histórias de sucesso alimentadas por blogs melómanos (quando geravam uma comunidade viva e influente) e plataformas como o Myspace ou... o Fotolog (outros tempos, de facto).

créditos: Rita Sousa Vieira

Parte desta história foi recordada numa atuação que dispensou os balões e confetes de outras visitas e ofereceu mais música e mais palavra - foi substancialmente mais longa do que as anteriores por cá, atingindo uma duração de hora em meia em vez dos cerca de 60 minutos que por vezes souberam a pouco. E foi também mais suculenta, percorrendo os quatro álbuns do grupo, entre a new wave, a pop eletrónica e o rock apunkalhado, conjugando hinos obrigatórios ("Music Is My Hot Hot Sex", "Let's Make Love and Listen to Death From Above", "Art Bitch" ou "Alala", recebidos de braços abertos e com profusões de saltos e gritos) e escolhas mais inesperadas, em quase duas dezenas de canções.

MÚSICA E MEMÓRIAS, DE MADONNA AOS PRIMAL SCREAM

Entre as escolhas menos óbvias destacou-se uma portentosa versão de "Hollywood", de Madonna, "que não é a melhor canção nem a mais conhecida" da rainha da pop, sublinhou Lovefoxxx, mas marcou a audição da vocalista na banda, em 2003. Na altura, debatia-se com questões de autenticidade e legitimidade artística, disse, quando se apresentou aos futuros colegas com uma t-shirt de um grupo (Motörhead) que na verdade mal conhecia. Uma afronta para outros aspirantes a músicos (que a faziam sentir-se uma "poseur"), mas não para o coletivo que a acolheu.

créditos: Rita Sousa Vieira

"Não é preciso saber tudo sobre uma coisa para começar a fazê-la", defendeu. "O que importa é fazer", garantiu noutra confidência, ao recordar o passo em frente (literal) que a levou a aproximar-se de Bobby Gillespie, vocalista dos Primal Scream, após um concerto dos escoceses. E esse encontro instigou uma cumplicidade com reflexo na participação do artista de Glasgow em "Hits Me Like a Rock", single de tempero tropical também ouvido ao longo da noite.

Esta despretensão deu, desde cedo, um assinalável capital de simpatia às Cansei de Ser Sexy que não esmoreceu duas décadas depois. Se Madonna "se engana sempre" nos versos a cantar "Hollywood" ao vivo, elas assumem que também têm a liberdade de errar, contou a vocalista. Os haters reclamam? "Quem te convidou?", perguntou na explosiva "CSS Suxxx", a abrir a noite. E está tudo bem, "todos somos haters de algumas coisas", desvalorizou. Mas esse ódio também pode reforçar a postura "do it yourself" que as levou a fazer uma canção como "This Month, Day 10". Surgiu como resposta às primeiras críticas, e mais 20 anos depois gerou "um momento de amor", com centenas de braços no ar a acompanhar o ritmo, notou Lovefoxxx, visivelmente emocionada.

créditos: Rita Sousa Vieira

Ainda sobre a despretensão: quem mais se lembraria de juntar as Sleater-Kinney e Jennifer Lopez, com rasgo e humor, como elas o fizeram em "I Wanna Be Your J.Lo", uma das suas primeiras canções? E foi também um dos primeiros mashups, lembrou a vocalista sobre uma tendência que diluiu géneros e hierarquias musicais no início do milénio.

ELOGIO E ORGULHO

Além do elogio à partilha de gostos como mote para a criação musical ("Uma conhece Nine Inch Nails, outra conhece Primal Scream"), a anfitriã aplaudiu a sororidade das artistas de São Paulo (algumas entre o público do concerto) e recuou, já em lágrimas, à pele da adolescente que sonhava subir a palco um dia. Testemunhos como esses deram um inesperado peso emocional a um concerto que já seria brilhante pela revisitação de um catálogo que não merece ficar ofuscado pelo primeiro álbum - sobretudo quando o último, o subestimado "Planta" (2013), até é dos mais consistentes.

Outro relato com eco evidente no público, o que antecedeu "City Girl" foi dedicado aos espectadores homossexuais que "saíram das cidades pequenas com uma mala e um sonho". "In the big city, nothing hurts", diz a canção, "mas sabemos que isso não é verdade", ressalvou Lovefoxxx, enaltecendo não a grande cidade mas a "grande força" de quem procura outro rumo. Curiosamente, este sábado realizou-se a Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa e dir-se-ia que alguns dos presentes no concerto participaram nela - até pela quantidade de bandeiras arco-íris avistadas na sala.

créditos: Rita Sousa Vieira

Já a história da origem de "Bezzi", canção tão antiga quanto espevitada, foi um dos muitos episódios hilariantes, debruçando-se sobre a saga identitária de um DJ. Como hilariante foi ver também a reação da vocalista quando perguntou quem estava num concerto da banda pela primeira vez e muitos espectadores (tendencialmente na casa dos 20 anos, ou menos) levantaram o braço. "O que estão a fazer aqui? Como nos descobriram?", questionou atónita. Mas a renovação de público (por muito que não faltassem fãs com o dobro da idade) talvez nem seja tão improvável quando Olivia Rodrigo esgota salas muito maiores e tem canções com ecos de indie rock borbulhante que não destoariam ao lado de "Fuck Everything", "Dynamite" ou "I Love You", outras das que marcaram o alinhamento.

Talvez encorajada pela energia juvenil, Lovefoxxx não recusou entregar-se ao crowdsurfing, já perto do final, arriscando despentear o seu longo cabelo preto - "Deixei crescer só para vocês" - que por essa altura já tinha sido agitado inúmeras vezes - visualmente, apenas as mudanças de roupa da vocalista, de uma túnica larga a um maiô justo, disputaram o seu protagonismo. Também houve tempo para um brinde de espumante com um espectador durante "Alcohol", recorte gingão do muito amado primeiro álbum, ou não fossem as Cansei de Ser Sexy uma banda que faz de um concerto uma festa - cenário certamente a repetir este domingo, dia 7 de julho, a partir das 21h00, no Hard Club, no Porto.

Alinhamento:

CSS Suxxx
I Love You
Music Is My Hot Hot Sex
Hits Me Like a Rock
Alcohol
Move
Dynamite
Fuck Everything
Hollywood (versão de Madonna)
City Grrrl
Teenage Tiger Cat
Red Alert
This Month, Day 10
Let's Reggae All Night
Bezzi
Let's Make Love and Listen to Death From Above

Encore:
I Wanna Be Your J-Lo
Art Bitch
Alala