A sonoridade dominante já não é o dedilhar puro da guitarra portuguesa nem do chamado fado tradicional. Em algumas faixas do disco, sobretudo nas três em que canta em inglês, notam-se pinceladas de jazz, um facto que, de acordo com a fadista, vai fazer com que haja um “estrutura diferente” nos próximos concertos.

“Este disco tem fado e tem outros temas onde se desconstrói o fado, porque, realmente, este é um disco que tem fado tradicional, mas tem outras músicas e outros géneros misturados”, afirma.

Para Ana Moura, “Desfado” foi “um desafio” e confessa, em entrevista ao SAPO Música, estar “apaixonada” por esta sua nova aposta musical.

Gravado nos Henson Recording Studios, em Los Angeles, nos Estados Unidos da América (EUA), “Desfado” foi produzido por Larry Klein, o produtor norte-americano que no seu currículo tem trabalhos com Joni Mitchell, Herbie Hancock, Madeleine Peyroux, Melody Gardot ou Tracy Chapman.

De que forma é que Larry Klein, um norte-americano, entendeu e incorporou a alma do fado para produzir um disco que tem fado? “Foi feita uma pré-produção, em que ele veio a Portugal e foi às casas de fado. Mostrei-lhe tudo o que é música portuguesa, não só fado. Ouviu, inclusivamente, música popular portuguesa, malhões e esteve em contacto com instrumentos portugueses. O interesse dele pela nossa música foi uma coisa fascinante”, explica Ana Moura.

O disco inclui três temas cantados em inglês. “A Case of You”, original de Joni Mitchell, surgiu por “sugestão” de Larry Klein. Já “Thank You” foi escrito pelo produtor norte-americano David Poe e, conta a fadista, o poema foi sugerido quando Poe soube que Larry Klein iria trabalhar com Ana Moura.

Por outro lado, o arranjo musical de “Dream Of Fire” é da autoria de Ana Moura, mas o tema foi escrito por um “amigo norte-americano”. Será Prince? “É da autoria de uma pessoa que não sabe assinar e, por isso, é anónimo”, afiança.

A possível controvérsia com os puristas

Com esta desconstrução do fado e a interpretação de temas em inglês, Ana Moura garante não ter receio das reações dos puristas do fado. “Não estou muito preocupada com isso, porque não estou a dizer que este disco é o novo fado ou que estou a fazer evoluir o fado. Estou, simplesmente, a seguir o percurso da minha carreira e, de facto, os meus últimos anos têm sido preenchidos com colaborações com músicos de géneros completamente distintos do meu”, explica.

Ana Moura detalha ainda que o facto de ser fadista não a pode “impedir” de querer fazer outras coisas no decorrer do seu percurso musical. “Não estou aqui para ofender o fado”, assevera.

Todavia, tem consciência de que esta sua nova abordagem pode ser “controversa”, pelo facto de “poder haver algumas pessoas que não entendam o âmbito deste álbum e podem julgá-lo de forma diferente”, afirma.

Os veteranos ao lado da nova geração

Para este disco, a fadista apostou em juntar os chamados compositores veteranos com os da considerada nova geração e alguns fora do âmbito musical do fado. Márcia, Manuel Cruz, Pedro da Silva Martins (Deolinda), Nuno Figueiredo e Jorge Benvinda (Virgem Suta), Miguel Araújo (Azeitonas, para além da sua carreira a solo), Luísa Sobral, António Zambujo, Pedro Abrunhosa ou Aldina Duarte são alguns dos nomes que escreveram os poemas para “Desfado”.

Questionada sobre o facto de o cantar em inglês e um certo “desfado” ser o preço a pagar pela internacionalização, Ana Moura defende-se e explica que, nos últimos anos, a sua carreira tem sido “muito internacional” e adianta que, ultimamente, tem dado mais concertos no estrangeiro do que em Portugal.

Contudo, afirma não saber se cantar em inglês vai ser ou não benéfico para a sua carreira, inclusive fora do nosso país. Porém, “era o que fazia sentido para mim neste momento”, ressalva.

A carreira internacional e o ego

Tendo atuado em vários palcos internacionais, incluindo, por exemplo, o Carneggie Hall, em Nova Iorque, Ana Moura conta que há ainda quem não tenha percebido o impacto da sua carreira no exterior.

Ser uma artista internacional enaltece o ego? “Não sou uma pessoa muito focada no meu ego. Aliás, costumo dizer que nunca me achei o máximo. Adoro aquilo que faço e estou entregue à minha carreira, porque é isto que me deixa feliz”, conclui.

“Desfado” sai para as lojas esta segunda-feira, 12 de novembro.

@Daniel Pinto Lopes