“Acho que temos uma influência árabe que os espanhóis também têm. Além disso, o fado nasceu no mar”, afirma a fadista, na entrevista gravada em 1989, no cinquentenário da sua carreira artística, agora publicada no livro “Amália, quis Deus que fosse o meu nome”.

Amália cita em seguida o poema “Fado Português”, de José Régio, que gravou com música de Alain Oulman, para acrescentar que "o fado é uma queixa e nós temos muita razão de nos queixarmos… vida fora”.

Na entrevista, a fadista revela ainda que era “uma pessoa sempre em conflito interior, com aquilo que ouvia, com aquilo que via” e a “fazia muitas vezes chorar e ficar triste”.

Nas respostas a Miguel Ferraz, Amália dá conta da tristeza de a terem acusado falsamente de ter pertencido à polícia política da ditadura, a PIDE, antes do 25 de Abril de 1974, e de ter havido pessoas que iam a sua casa, antes da Revolução, que deixaram de o fazer no período posterior.

Quanto à possibilidade de se “retirar em beleza”, segundo a sua expressão, a fadista argumentava então, com ironia: “Já me tinha retirado há uma data de anos, porque era muito mais bonita aos 20”.

A entrevista foi efetuada na casa de Amália, em Lisboa, em novembro de 1989, quando celebrou o cinquentenário de carreira artística, e é publicada agora, no ano em que passam 15 anos sobre a morte da fadista e os 75 anos da sua estreia, precisamente no Retiro da Severa, em Lisboa.

Intitulada “Amália quis Deus que fosse o meu nome”, um dos versos do fado “Amália”, de José Galhardo e Frederico Valério, a obra, editada pela Fonte da Palavra, é apresentada no sábado, às 16:00, pelo realizador de rádio António Sala, na sede da Fundação Amália, antiga residência da fadista, na rua de S. Bento, em Lisboa.

O investigador Jorge Trigo salienta, no prefácio, o facto de esta obra ser maioritariamente em “discurso direto”, não só as respostas da fadista, mas também os vários depoimentos que o autor recuperou para este volume, nomeadamente do poeta David Mourão-Ferreira, da pintora Maluda e do toureiro Diamantino Vizeu, todos já falecidos.

Outros testemunhos incluídos na obra são os dos atores Manuela Maria, Octávio de Matos e Luís Aleluia, do fadista Camané, do artista de variedades Júlio Coutinho e do colecionador de objetos relacionados com a fadista Adriano Catarino.

A obra inclui várias fotos de atos públicos de Amália, de concertos a sessões de autógrafos, e também de momentos mais privados, vindos, na maioria, da coleção de Adriano Catarino.

Miguel Ferraz, de 54 anos, autor de “Amália, quis Deus que fosse o meu nome”, é licenciado em Sociologia pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, foi produtor executivo de espetáculos, trabalhou como realizador de rádio em várias emissoras e colaborou com a RTP e a SIC.

@Lusa