“Não se deitam comigo corações obedientes” é o quarto álbum de originais de A Naifa, mas o primeiro sem João Aguardela (baixista, co-fundador e elemento essencial à banda). Os quatro músicos que subiram ao palco na passada quartaeram, sem dúvida,cinco, com Sandra Baptista a tocar o baixo, mas não a substituir Aguardela.

Tal como o novo disco, o concerto não foi de luto. Foram tocadas canções sobre a saudade, mas também canções de amor, paixão e depressão, numa fusão entre a emoção desprovida de pudor e um vocabulário focado no quotidiano, no trivial e até no burocrático. Uma das principais distinções entre “Não se deitam comigo corações obedientes” e os seus antecessores são os poemas de Margarida Vale Gato, alguém com quem a banda ainda não tinha trabalhado, e que dão às novas canções uma atualidade intensa. Esta é a realidade portuguesa: num país reduzido a um número, uma dúvida, a depressão é a sopa a aquecer na panela e os amantes são eleitos.

Foi um concerto focado no novo disco, mas também houve tempo para recordar músicas como “Skipping”, “Señoritas”, “A verdade apanha-se com enganos” e “Música”, com aguitarra portuguesa de Luís Varatojo a acompanhar com precisão a voz e os passos de dança de Mitó.

Um dos momentos mais memoráveis foi uma versão de Amália Rodrigues. “Libertação” foi também uma oportunidade para recordar o passado. A baixista Sandra sentou-se junto à bateria, local onde passou bastante tempo ao longo do concerto, e o palco ficou na escuridão. Um único holofote iluminava o espaço vazio -o espaço onde Aguardela tocaria.

No entanto, como já dissemos, não se tratou apenas de um adeus a um antigo companheiro. Quando a banda voltou para um encore, optou por começar com duas músicas melancólicas - "De Cara a la Pared", do recente disco, e "Todo o Amor do Mundo não foi Suficiente" -, mas terminou com uma das suas músicas mais mexidas e reaccionárias, “Señoritas”. Poder-se-ia dizer que a morte é o final, mas a vida continua....

Fotografias: Filete