A HISTÓRIA: Uma donzela obediente aceita casar com um bonito príncipe, mas o conto de fadas assume contornos de pesadelo quando descobre que a família real a quer sacrificar para saldar uma dívida ancestral. Presa numa gruta com um dragão, a donzela tem de lutar com unhas e dentes pela sobrevivência.

"A Donzela": disponível na Netflix a partir de 8 de março.


Crítica: Francisco Quintas

O sucesso de uma estrela sempre foi relativamente fácil de medir. Mas é uma hipótese que a conjugação das últimas causas sociais de Hollywood, nomeadamente o movimento #MeToo, com o advento dos serviços de streaming e das redes sociais, tenha permitido a certos atores e atrizes gerirem a sua carreira de modo mais autónomo.

Portanto, não é espantoso – aliás, é imensamente admirável – que Millie Bobby Brown, a talentosa protagonista de “Stranger Things” (2016 - ), tenha tomado decisões profissionais certeiras na ambiciosa corrida pelo estrelato internacional.

Após uma entrada tímida no cinema 'blockbuster', não demorou muito para o contrato com a Netflix progredir para uma parceria de produção executiva. A primeira aposta foi o divertido “Enola Holmes”, que a plataforma 'resgatou' numa compra à Warner Bros. durante a pandemia em 2020, que propunha a perspetiva da irmã mais nova do icónico detetive inglês e teve uma sequela em 2022.

Previsto para este ano está “The Eletric State”, dos irmãos Joe e Anthony Russo, realizadores de quatro filmes Marvel, incluindo “Vingadores: Guerra do Infinito” (2018) e “Endgame” (2019). Menos bem que 2024 tenha começado com “A Donzela”.

É respeitável a vontade da atriz de 20 anos, feitos em fevereiro, em querer contar histórias focadas em personagens femininas e desconstruir estereótipos de género. Desta vez, dissecou os contos de fadas sobre o valente cavaleiro que resgata a donzela indefesa – “damsel in distress” – das garras de um dragão. O problema principal do mais recente trabalho do espanhol Juan Carlos Fresnadillo, com experiência em terror ("28 Semanas Depois", "Intrusos"), foi ter sobreposto as boas intenções a quaisquer virtudes técnicas e narrativas, numa aula de feminismo para totós cuja moral se torna evidente nos primeiros minutos.

A começar pelo guião, da autoria de Dan Mazeau, ninguém menos que o autor do esqueleto de “Velocidade Furiosa X” (2023), a caracterização do mundo fantástico é quase inexistente, composto por pouco mais que os hectares verdejantes e montanhosos de Tomar e Santarém – valha-nos a beleza – e um contexto limitadíssimo. Não conhecemos o passado nem a ordem social daquele reino. Somos apenas convidados a aceitar figurantes e atores vestidos a rigor à frente de uma tela verde ou dos azulejos do Mosteiro da Batalha.

Ainda que o elenco tenha a desculpa de ter recebido um texto macérrimo de conteúdo para trabalhar e óbvio no retrato dos seus temas, fica difícil de imaginar que direção recebeu. Angela Bassett esforça-se imenso, mas cai para momentos de 'overacting' e melodrama. Ray Winstone e Robin Wright estão num piloto automático de puro frete e enfado, à espera que a câmara pare. E os jovens Nick Robinson e Brooke Carter poderiam ter vincado a sua presença se não tivessem recebido personagens tão desinteressantes e inconsequentes.

Poderíamos dizer que a própria Millie Bobby Brown eleva o material medíocre, mas é seguro supor que a maioria da construção da personagem terá provido, como aconteceu em “Enola Holmes”, dos seus 'inputs' criativos. Mesmo que o trabalho de atriz beneficie de um segundo ato assente, sobretudo, na ação em tempo real – a personagem resolve a sua situação sozinha e calada –, não se compreende como se optou por uma lista tão cansativa de conveniências, faltas de lógica, buracos de enredo, momentos involuntariamente engraçados e uma das piores bandas de efeitos visuais dalguma grande produção da Netflix.

Quando se reserva esperança na chance de “A Donzela” recuperar o investimento do espectador, este é deixado incrédulo com sequências ofensivas de tão pouco investimento que os responsáveis parecem ter posto nele. O filme é curto. Valha-nos mais isso.