Tricia Tuttle, a nova diretora do Festival de Cinema de Berlim, falou à agência France-Presse (AFP) antes da abertura, dizendo que seria um 'refúgio' artístico na era alarmante de Donald Trump.

O Festival decorre entre 13 e 23 de fevereiro e entre os temas da conversa estiveram a seleção deste ano de filmes que concorrem ao Urso de Ouro, a eleição nacional da Alemanha que acontece no último domingo do festival, bem como sobre a construção do impacto de um evento conhecido por apoiar produções artísticas à margem dos grandes estúdios.

AFP: A Berlinale costuma ser um festival muito político. Quer continuar assim ou mudar?

Quero realmente que as pessoas falem sobre cinema. A agenda noticiosa dominou todos os eventos culturais em todo o mundo, especialmente a música. Não creio que possamos e devamos fugir de filmes que mostram como o mundo é conturbado e refletem isso para nós.

Também acho que adoraria que os filmes falassem, porque acho que os filmes podem comunicar com uma complexidade que muitas vezes perdemos nas palavras. Mas acho que também é direito das pessoas falar livremente.

Teme que a campanha eleitoral alemã possa interferir no festival?

Estou realmente a tentar manter o festival um pouco isolado disso e não confrontar diretamente a política eleitoral. O festival quer que isso não ofusque os filmes e os cineastas. Acho que o que é importante para nós é encorajarmos as pessoas a sair e exercer o seu direito democrático de voto.

Direi que o que defendemos é a inclusão. Não gosto do crescimento em partidos à volta de todo o mundo que andam a exprimir muito medo e a provocar muito medo contra o tipo de diversidade e pluralismo que sempre defendemos como festival.

Acha que festivais como Berlim podem servir de refúgio para artistas na era do presidente dos EUA Donald Trump?

Passaram três semanas da presidência de Trump. Dizer que estamos todos alarmados é o maior eufemismo. Não creio que tenhamos visto algo assim nas nossas vidas, os direitos e os sistemas de apoio às pessoas a desaparecer tão depressa.

Espero que possamos ser uma espécie de refúgio. Acho que o cinema, o cinema independente, é um refúgio.

Ao escolher os filmes deste ano, achou que os realizadores estavam especialmente pessimistas em relação ao mundo?

Não, não necessariamente. Acho que, em termos de visões de mundo, há muito envolvimento com a complexidade do mundo contemporâneo. Não tanto com a geopolítica especificamente, mas apenas com o quão complexa ela é.

É muito variado, mas o que vejo na competição são cineastas que estão a lutar com um mundo muito sombrio e a decidir ver um pouco de luz e fazer uma escolha consciente de ver um pouco de luz no mundo.

Quais foram as suas primeiras palavras ao presidente do júri e realizador Todd Haynes? Como definiria a missão dele?

Já falei com ele e esperamos muito que ele e os jurados gostem desta seleção tanto quanto nós. Tentei libertá-los um pouco dessa ideia de que estamos sempre a falar de nós mesmos como sendo um festival político.

Não quero orientá-los a não fazerem escolhas políticas, mas só quero ter a certeza de que sabem que penso que qualquer júri deve expressar uma resposta muito pessoal a esses filmes.

Todos vemos o cinema de formas diferentes e queremos coisas diferentes do nosso cinema e quando juntamos sete pessoas fico muito interessada em ver o que escolhem para o seu Urso de Ouro.

Como é que convence os realizadores a virem a Berlim, e não aos festivais rivais de Veneza ou Cannes?

Nos últimos 10 anos, acho definitivamente que houve uma mudança em direção à temporada de prémios anglófonas no outono. Será um processo para convencer os grandes produtores e grandes detentores de direitos de que também podemos ajudá-los a lançar alguns dos seus maiores títulos.

Neste momento, toda a indústria está voltada para os últimos seis meses do ano. Mas, sabe, Cannes é um festival grande e bonito e Veneza é um festival grande e bonito. Acho que há espaço no universo para todos nós lançarmos filmes realmente emocionantes ao mundo.