A maioria dos alemães sabia que o Holocausto estava a ser perpetuado durante a Segunda Guerra Mundial, apontaram os produtores de um novo documentário esta quinta-feira (3).
O conhecido cineasta britânico Luke Holland entrevistou mais de 300 idosos alemães e austríacos, muitos dos quais ex-membros das infames forças SS, para filmar "Final Account", que estreou no Festival de Cinema de Veneza.
Holland, que morreu em junho, fez amizade com ex-nazis durante mais de uma década, persuadindo-os a falar sobre o que sabiam e revelando numa obra monumental, que atraiu aplausos entusiasmados da crítica.
O The Hollywood Reporter classificou o documentário como "excecional", observando que pode ser a última vez que se ouvem depoimentos de "participantes ativos nos horrores dos campos de concentração".
O produtor Sam Pope observou que o incrível trabalho de Holland se deve ao facto de ter passado anos da sua vida conquistando a confiança dessas pessoas.
Enquanto muitos lutavam com as suas consciências, outros não se arrependiam e se orgulhavam de ter servido nas SS, "na qual todos os homens podiam ser 100% confiáveis", disse um deles.
Outros negaram o Holocausto, embora admitissem abertamente que sabiam de massacres.
"Não culpe Hitler", observou um deles.
"A ideia estava correta, mas [os judeus] deveriam ter sido expulsos do país" [em vez de serem mortos], acrescentou.
Pope disse que as entrevistas com não combatentes, principalmente mulheres, refutam a ideia perpetuada após o fim do conflito em 1945 de que poucas pessoas comuns, tanto na Alemanha quanto na Áustria, sabiam o que estava a acontecer.
Como se fosse uma frase de efeito, muitos afirmaram que "foi depois da guerra que souberam desses crimes horríveis", disse o produtor aos jornalistas.
"No desenvolvimento destas entrevistas, acredito que essa probabilidade se torna cada vez menor", disse.
"Os perpetuadores não nascem, eles tornam-se"
"Mesmo sem ter estado ali ou participado, certamente conhecia alguém que estava ou ouviu boatos. Por exemplo, o seu irmão, que era soldado, chegava em casa um dia e contava-lhe histórias", defende Pope.
No entanto, uma das cenas mais assustadoras do filme aconteceu na Alemanha moderna, quando jovens neonazis gritam com um ex-soldado SS idoso que tenta fazer com que eles se "envergonhem de serem alemães" ao falar sobre a sua culpa.
A longa e chocante troca aconteceu ao redor da mesa na Wannsee House, a mansão localizada nos arredores de Berlim, onde a Solução Final, a deportação e o extermínio de todos os judeus nos territórios ocupados pela Alemanha foram traçados.
Com ativistas de extrema direita tentando invadir o prédio do Reichstag [parlamento] em Berlim no fim de semana, as lições da história são claras, disse Pope.
"Estas ideologias poderosas e imperfeitas ainda estão presentes e ganham força, não só na Alemanha e na Áustria, mas em todo o mundo", alertou.
Em notas do filme, Holland, que cresceu a falar alemão e cuja família materna morreu no Holocausto, recusou-se a condenar os seus entrevistados, a maioria deles na casa dos 90 anos.
"Os perpetuadores não nascem, eles tormam-se", escreveu.
No entanto, no documentário ele não parou de fazer perguntas cada vez mais difíceis aos homens e mulheres de quem se tornara amigo.
A coprodutora Riete Oord disse que "ficou muito claro que muitos sabiam exatamente o que estava acontecendo, mas reprimiram para si mesmos".
Há um homem que diz: "Se 99 pessoas na minha frente achassem que não havia problema em massacrar judeus, eu também aceitava. O anormal torna-se muito normal sob tais circunstâncias".
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